Já se sabe que ao professor compete tudo e não só ensinar. Não, ensinar não basta, mesmo que não consiga ensinar não obstante o limite nas fotocópias agora pagas do próprio bolso, bem como as canetas para o quadro branco agora que se acabou o giz, giz esse que também carecia de requisição prévia mediante o preenchimento de três cópias devidamente endereçadas com um dia de antecedência à assistente operacional de serviço no corredor, aliás.

Não, ensinar não basta, apesar de chover nas salas de aula e os quadros eléctricos estarem desligados por risco de curto-circuito e portanto dentro das salas ninguém ver nada. E o que dizer da constante falta de funcionários e professores, cabendo agora um pouco a todos, desde a vigilância dos alunos no recreio ao atender do telefone na secretaria, sem esquecer os almoços no refeitório, a abertura e fecho da escola, o serviço aos portões e, no fim, ainda as aulas de substituição, do Inglês à Informática, apesar de o professor ser de Educação Física, mas qualquer um pode ser professor e sem aulas é que os alunos não ficam.

Isto tudo em escolas onde as fissuras e humidade nas paredes agravam o frio do inverno em escolas ainda por aquecer, e para quê se Portugal é um país de sol?

A juntar a isto, ao frio, temos a fome de todas as crianças para quem o almoço é a única refeição do dia e, por conseguinte, não é possível ensinar.

Tal como não é possível ensinar em escolas onde finalmente se fizeram e fazem obras já há mais de dez anos, “derivado” do amianto ali exposto, e portanto não se aproxime dali, nem você nem as centenas de alunos ainda hoje e sempre atafulhados em contentores.

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Valham-nos os computadores e portáteis em fartura, mesmo quando não funcionam e lá vai o professor fazer também de técnico de informática enquanto o aluno usa o computador do lado.

E se com estes, poucos, exemplos é suposto preparar alunos para os exames nacionais, o que dizer de tudo o resto que compete ao professor? Ser pai e mãe mas também psicólogo, assistente social, enfermeiro, formador de pais e mães, técnico de emprego, explicador, assistente de viagens, entre tantos outros cargos dependentes da boa vontade de quem nunca vai receber mais de 1200 euros por mês, isto com horário completo, tantas vezes a

Ao professor compete tudo

centenas de quilómetros de casa e sem garantias absolutamente nenhumas de emprego no ano a seguir.

Se a isto juntarmos a recente directiva do Ministério Público através da qual também compete ao professor a comunicação à justiça de todos os comportamento abusivos e passíveis de crime a partir dos 16 anos então faltam-me as palavras.

Porque ao professor não basta competir tudo: também tem de ser polícia.

Com tudo o que isso implica e sem os meios para se defender. Tais medidas, fruto de quem vive a milhares de anos luz da realidade das escolas e dos professores, terá consequências óbvias para a integridade dos últimos.

No entanto, e porque os números dos últimos anos relativos a comportamentos abusivos em escolas não reflectem o que o Ministério Público esperava, receio não haver outra alternativa dentro em breve.

Outra alternativa senão encher as primeiras páginas dos jornais diante da indignação geral. Outra alternativa senão a perda de um cada vez maior número de docentes entre os que se reformam e os que preterem a entrada na profissão. A contínua degradação do ensino público em favor do ensino privado. A ignorância cada vez maior de um país, uma geração a seguir à outra, para regozijo de quem nos governa com as rédeas cada vez mais soltas.

Se ao professor tudo compete como pilar essencial da sociedade, então que se dê tudo ao professor e aos professores, ordenados ao nível da França ou Alemanha, edifícios, salas e laboratórios de referência, equipas multidisciplinares com assistentes sociais, psicólogos, polícia e decisores políticos, gabinetes de trabalho com computador e telefone que não o computador e telefone do próprio sem esquecer as fotocópias, as canetas e os paus de giz ressarcidos com retroactivos de pelo menos 20 anos, e mais não peço. Para começar.

Até porque a escola, como agente de mudança e instituição social, precisa de muito mais em conformidade com as comunidades onde se insere. Mas uma coisa de cada vez.

E enquanto assim não for, e correndo o risco de repetir uma frase sobejamente batida, ao professor competirá única e somente ensinar. Se conseguir.