Uma massiva migração rumo às grandes cidades deixou ao rubro o mercado imobiliário. Compra-se para renovar, vende-se para alugar e aluga-se para subalugar.

Muitos podem não se lembrar, mas o problema da habitação é crónico! E, se em Lisboa e Porto se tornou uma referência, rapidamente o problema se alastrou a outras zonas do país.

Sem muitas hipóteses, na altura, fui também apanhado no meio deste mundo efervescente do Real Estate na cidade de Lisboa. Estávamos então em 2016. Uma das cidades da moda na Europa, supostamente por causa da sua oferta cultural, das oportunidades de negócio, da vivacidade dos serviços e instituições, da inovação e criatividade, enfim, do sol, do tempo ameno, tudo tem contribuído para que a “Capital do Atlântico” seja cada vez mais atrativa.

Infelizmente Lisboa estava já com o mesmo cancro de outras cidades. Uma espécie de oportunismo de proprietários e mediadores imobiliários que simbioticamente se organizam em rede para que o risco seja quase inexistente.

Recordo o seguinte episódio em que estava já numa espécie de “lista de espera” à porta de um modesto apartamento, renovado, é certo, mas não mobilado, para arrendar pela “módica quantia” de 525 euros mensais. Mesmo ao lado umas águas-furtadas por 600 euros estavam também a receber visitas. E, quem estiver nesta situação sabe bem do que falo, há uma grande procura e, portanto, é normal que o mercado se aproveite e encontre a forma mais lucrativa para os seus agentes.

Muitos destes apartamentos só estão um dia ou dois nos anúncios online, no máximo algumas semanas em carteira das imobiliárias, naturalmente dependendo das zonas, do estado e, claro, do preço e condições para o arrendamento.

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Nas conversas com os outros interessados, percebi, entretanto, que o estado de espírito de quem tenta viver com algum conforto em Lisboa, para trabalhar ou estudar, que não seja numa “República” estudantil de Erasmus cheios de energia e dias sem noites, é um drama. Na altura, uma das senhoras com quem troquei algumas impressões estava a ganhar uns 750 € de ordenado e procurava um apartamento e desde logo apareceu no mesmo em que eu estava. Mas o semblante era de quem estava ali a perder tempo: “Já sei que pedem 3 rendas (duas adiantadas e uma de caução) e um fiador”, explicou. “E alguns que já vi pedem fiador com vínculo à Função Pública! acrescentou. “Assim é complicado”, desabafou obviamente desapontada.

Entretanto surge também para visitar o mesmo apartamento mais uma pessoa, uma jovem acompanhada da mãe que procura também um local que não necessite de dividir com estranhos: “que a casa de banho não esteja sempre a provocar-me dúvidas”, disse de forma descontraída e com um sorriso. Sim, o ambiente é mesmo de comédia. Em poucos segundos, não faltam histórias que se atropelam umas com as outras tal a ânsia de partilhar a “vida na urbe” e as aventuras na procura da solidez e de uma vida desafogada. “Tem de ser a minha mãe a pagar”, adiantou a jovem. “Neste momento estou com um contrato a tempo certo e as perspetivas não são muito boas”, acrescentou. “O que me safa é a minha mãe que tem uma boa reforma e que tem condições de me ajudar”, concluiu.

Esta cidadã tem essa sorte, mas há logo imediatamente alguém que lhe recorda a quantidade de pessoas que não têm a mesma condição. (E efetivamente sou obrigado a concordar, já que me enquadro numa dessas situações).

Quando finalmente chega o mediador, já estávamos praticamente todos familiarizados com o drama dos arrendamentos “inteligentes” em Lisboa. Refiro que não é um caso que diga apenas respeito à capital portuguesa. Em todo o mundo, o problema da habitação está a condicionar bastante a sustentabilidade nas cidades que, por seu turno, pouco ou nada podem fazer fruto das leis em vigor e da pouca flexibilidade para ações concretas neste setor.

Mas também recordo que há algumas soluções simples e que poderiam servir, por exemplo, para desenvolver as cidades mais pequenas do interior que, com a atitude certa, garantido habitação de qualidade e concorrencial a esta ”loucura” coletiva das grandes cidades, criaria condições estimulantes na captação de talento, cidadãos criativos e inovadores, empreendedores, enfim, imensa gente que tenta sobreviver nas grandes metrópoles mas a quem a falta de teto ou a ausência do conforto necessário tolhe em permanência uma felicidade absoluta e uma experiência de vida satisfatória.

As pequenas cidades podem e devem olhar para o problema da habitação como um fator de atração de novos cidadãos residentes, competindo nesta área do imobiliário, garantindo que as intervenções nos centros históricos, por exemplo, não sejam depois vampirizadas por especuladores sem escrúpulos.

As próprias autarquias ou algum organismo associado poderiam ser, por exemplo, elas próprias, as “fiadoras” para jovens em início de carreira, casais e até profissionais e empreendedores seniores. O que têm a ganhar será muito mais do que o investimento necessário. E a campanha para comunicar é simples: “Mude-se hoje, paga uma renda, acreditamos em si, não exigimos fiador”.

Entretanto, em 2023, o problema agravou-se. Em vez de três rendas já há quem peça seis. No resto do país os preços aumentaram na generalidade, estando ao nível dos valores de Lisboa em 2016.

Quanto a mim, posso até desistir em breve de viver em Lisboa, como de resto afirmaram outras das minhas novas amizades com quem partilhei estas experiências. Mas pode ser que Lisboa precise de nós também como fiadores e garante de que é mesmo uma Cidade Inteligente.

Mas fica difícil se, para arrendar uma habitação, os cidadãos têm de se descabelar e desunhar, pedir crédito bancário (para pagar as 3 rendas), envolver terceiros e, no final, não usufruir de nada porque não sobra nada para gastar.