Os bebés arriscam-se a ser os principais responsáveis pela regressão na igualdade de oportunidades que se dá entre os seus pais. E pela forma como, a partir daí, as desigualdades de género se acentuam e se instalam de forma mais ou menos regular. Ser mãe acaba por representar menos oportunidades de formação profissional. Menos flexibilidade para se adequar a flutuações de horários ou de planos de trabalho. Menos disponibilidade para investir na carreira ao nível do que se fazia antes de um bebé nascer. E mais dificuldade de aceder a posições de poder e de chefia. Até porque a maior parte das mães, a partir do momento em que nasce um bebé, continua trabalhando a tempo inteiro. Como mãe e na sua profissão. Sobrando para si, na maior parte das circunstâncias, o essencial dos cuidados com os filhos. A condução da sua relação com a escola e com as actividades extra-curriculares. E a gestão da própria casa. Se a isto acrescer que quanto maior é a escolaridade maior será a discrepância de remuneração entre o pai e a mãe – e, como recorda o Expresso desta semana, que, depois dum bebé nascer, enquanto o pai aumenta o ordenado a mãe o mantém – então um bebé traz à família um conjunto de mudanças que, no essencial, desafia um casal a ser mais casal que nunca, uma vez que as escolhas e as consequências que resultam do nascimento de um bebé terão de ser compromissos a dividir por dois.

O crescimento e a educação dão-se acarinhando a igualdade. Mas a maternidade talvez inaugure, de facto, a conjugalidade. E, muitas vezes, acentua (como nunca) as desigualdades. Maternidade e a paternidade não são, de facto, iguais. Por mais que a função do pai se tenha modificado em muitos aspectos, a função materna não é, hoje, tão distinta, no essencial, do que sempre foi. Até porque a amamentação introduz desigualdades em qualquer paridade que existisse até aí.

Mas à mãe “exige-se”, ainda, que trabalhe para além de ser mãe. E, como se isso não fosse duma exigência exorbitante, multiplicam-se artigos, posts e grupos de mães sobre a gravidez, o parto, o aleitamento, o sono ou o comportamento do bebé — tudo apresentado num tom tão “bacteriologicamente puro”, eficaz, simples e “fácil” — que, associados às exigências que uma mãe coloca sobre si própria, faz com que a culpa se transforme num outro tipo de desigualdade entre a mãe e o pai. Se o bebé não mama e não evolui em termos de peso “a culpa” é da mãe. Se não tem um sorriso fácil talvez não esteja tão feliz como devia e, então, “a culpa” é da mãe. Se tem dificuldades de autonomia “a culpa” é da mãe. Ou seja, sobre todas as desigualdades que pendem sobre a mãe, a culpa traz mais uma. E acentua uma atmosfera que, em condições normais, faria com que a mãe vivesse com mais stress. Mais deprimida. Quase sufocada com demasiadas exigências. E debaixo de um sufrágio, por parte das outras mães, nem sempre tão fácil e tão bondoso assim. O que, associado a tudo o que se lhe exige, faz com que se espere que a mãe seja, como mãe, um exemplo; de auto-estima, de felicidade e de sucesso. Como se todas as mães tivessem as mesmas oportunidades, os mesmos recursos e os mesmos apoios para serem, de forma igual, boas mães. O que, por mais que a mãe faça e faça e faça, aumenta as probabilidades dela, por mais que dê, se sinta aquém. Levando a que se encolha, se desvalorize ou se sinta culpada. Como se as fasquias do que representa ser mãe estivessem sempre mais altas do que ela própria consegue dar.

Ora, com desigualdades sociais, a culpa e muitas idealizações sobre si, era suposto que a mãe se desequilibrasse muito mais vezes. Mas, apesar de um ou outro destempero, a mãe tem um sorriso único. É doce. É atenta. É empática e é bondosa. Tem um brilho de mãe nos olhos irrepetível e imbatível. E uma checklist na cabeça, sempre em reformulação, que a equipara a uma verdadeira “multifunções”. E zanga-se, comove-se e dá-se com tamanha alma que, de forma inacreditável, consegue estar sempre “lá”. A tempo inteiro. Sem horários de trabalho, sem feriados e sem férias. Conseguindo superar-se sempre um bocadinho mais como melhor mãe.

Como é que as mães podem ser ressarcidas de tantas desigualdades tão injustas? Com um outro olhar de Estado sobre elas. Protegendo-as das desigualdades. Com mais e melhores pais. Com discursos menos idealizados e mais verdadeiros sobre a mãe. E com o respeito e a gratidão que ao amor de mãe é devido. Porque aquilo que nós somos, tendo muito de pai, deve muito à paciência, ao desprendimento e a uma pitada de muitas anulações da mãe. Apesar de todas as desigualdades que condicionam as mães. E dum silêncio quase sem jeito que lhes dedicamos. Como se da mãe fosse suposto esperar sempre mais do que tudo aquilo que a mãe já é capaz de dar.

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