No cenário turbulento da política contemporânea, a utilização da noção de linhas vermelhas tornou-se, cada vez mais, uma estratégia dos políticos, na medida em que, muitas vezes, esta ideia é utilizada como uma ferramenta para sinalizar a inflexibilidade e transmitir uma determinação inquebrável e inabalável em determinadas questões. No entanto, a utilização do conceito “linhas vermelhas” é, frequentemente, desadequado, na medida em que, na nossa opinião, confunde o seu verdadeiro propósito: o de estabelecer fronteiras bem guardadas que salvaguardem os valores, princípios e o bem-estar fundamentais para uma nação, o que significa que este conceito foi concebido para representar um ponto além do qual determinadas ações seriam inaceitáveis, independentemente da filiação ou espetro político. Ora, atualmente, é o contrário que se verifica, na medida em que a corrente utilização da noção de linhas vermelhas centra-se mais em determinados agentes políticos do que em políticas propriamente ditas.

Questionamos: qual a consequência da indevida apropriação e utilização desta noção? Entre outras, destacamos as seguintes: polarização política (que leva à impossibilidade de estabelecer verdadeiros diálogos e debates políticos) e impasses relativamente à aplicação e implementação de medidas essenciais para o país (precisamente por ser impossível o diálogo), o que se traduz num claro desrespeito pelas questões que deveriam estar em discussão. Neste sentido, é importante que o mundo político seja capaz de recuperar o verdadeiro propósito das linhas vermelhas, reconhecendo que elas existem não para os políticos, mas para políticas, o que significa que deve ser utilizada num quadro de diálogo e compromisso que garante a fidelidade aos valores fundamentais individuais e coletivos, ao invés de uma arma de partidarismo que se afirma com o único objetivo de afastar da discussão determinados opositores políticos. Isto porque as ideias têm valor por si mesmas, independentemente do seu porta-voz. O facto de uma ideia ser boa ou má é independente de quem a afirma e, por isso, se respeitamos as regras do jogo democrático, devemos analisá-las, comentá-las e discuti-las independentemente do partido que as propõem. Ou será que a mesma ideia ou a mesma medida tem menos valor por ter sido articulada ou proposta por um indivíduo do lado do espetro político oposto àquele em que nos inserimos? Parece absurdo que assim seja.

Portanto, as linhas vermelhas não podem ser ferramentas para as ambições pessoais ou partidárias dos agentes políticos: pelo contrário, elas constituem um quadro para proteger os alicerces democráticos nos quais nos movemos politicamente. Ao compreender que as linhas vermelhas não são para políticos, mas para políticas, podemos finalmente preparar o caminho para uma governação mais responsável e eficaz e, mais importante, que sirva verdadeiramente os interesses do povo que alimentam e fazem a democracia todos os dias.

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