A Hungria receberá, dentro de dias, uma visita do Sumo Pontífice, o qual vai participar e presidir à cerimónia de encerramento de um congresso internacional, com um tema e um nome algo sui generis: um Congresso Eucarístico Internacional.

Em Portugal, ao falarmos em Congresso Eucarístico, muitos terão presente o Congresso Eucarístico de Bombaim, em 1964, com a presença de Paulo VI na União Indiana, que acabava de anexar Goa. Esta presença, criticada pelo Estado Novo e louvada pelos católicos progressistas, criou um claro mal-estar entre Portugal e o Vaticano, que apenas foi sanado com a vinda do Papa a Fátima, em 1967.

Na Hungria, a alusão ao Congresso Eucarístico é associada ao Congresso de 1938, que foi um acontecimento da maior importância. Pelas filmagens desse ano, pode ver-se a imponência deste evento.

Tenho, em casa, um diploma de participação do meu avô no Congresso de 1938 e uma carta de agradecimento do Príncipe-Primaz Serédi. Os tempos eram outros, não existiam hotéis e turismo de massas, e os delegados ficavam alojados em casas particulares. Sei que um bispo ou padre ficou na casa dos meus avós, não sei qual. Sei que o meu pai recebeu uma educação católica e sempre foi à missa (nos períodos melhores e piores da sua vida), raras vezes terá faltado. Tento transmitir estes valores.     

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Nos anos 30, na Hungria pós-república comunista de Béla Kun, houve uma renovação da vida religiosa, com a criação de escolas, conventos, etc. , tendo surgido um grande número de vocações que, após a II Guerra Mundial, se espalharam pelo mundo com a diáspora húngara causada pela repressão soviética.

Existem muitas semelhanças entre o Congresso de 1938 e o Congresso de 2021. Os locais repetem-se, a Praça dos Heróis volta a receber a missa de encerramento – que em 1938 foi presidida por Eugenio Pacceli (futuro Pio XII), como delegado apóstolico de Pio XI com transmissão em directo via rádio de um discurso deste Papa. Este ano será o próprio Papa Francisco a presidir à missa.

A Hungria de 1938 assumia-se como um baluarte do Ocidente face ao perigo comunista, comparável ao perigo otomano de outrora. A Hungria de hoje assume-se como defensora da civilização cristã. De tal forma se quer dar uma ideia de continuidade, que a música e a letra do hino de 1938 vão ser usados em 2021.

As figuras de Horthy e de Orbán também têm semelhanças. Orbán, como Horthy, é calvinista. Penso que também lhe vai seguir o exemplo e participar no congresso. Ambos têm uma visão da politica externa da Hungria como defensora dos valores da Cristandade e do Ocidente, como destino histórico desta nação.

A participação de protestantes em acontecimentos católicos pode parecer estranha em Portugal, mas na Hungria há uma tolerância e coexistência religiosas total. Desde o séc. XVIII que existe igualdade de reconhecimento das várias confissões, protestantes, calvinista, unitária, greco-católica e da religião judaica, sendo os casamentos mistos (entre católicos e não católicos) aceites com a maior naturalidade. Na Hungria, a contra-reforma foi feita com a criação de universidades católicas e não, como em Portugal, com a proibição do protestantismo e a declaração da Igreja Católica como Igreja de Estado, com o monopólio do registo civil. Os bispos das várias confissões e o rabino de Budapeste tinham assento na câmara alta.

É perfeitamente normal ser-se católico e neto de um bispo calvinista ou que na mesma família as filhas sejam católicas e os filhos calvinistas, frequentando as cerimónias de uns e outros sem qualquer problema. Exemplo disso são os próprios Horthy e Orbán, ambos casados com senhoras católicas.

O juízo que a história faz do almirante Horthy não é fácil…. ajudante de campo de Francisco José, regente do Reino da Hungria, opôs-se ao regresso do Rei Carlos, aliou-se a Hitler, atacou a URSS, foi deposto pelos nazis húngaros e preso na Alemanha, foi testemunha e não réu em Nuremberga. Governou um país em condições muito complicadas… Toda a minha família era horthyista, tendo eu, por isso, uma visão pouco independente.

Morreu no Estoril em 1957 e foi enterrado no cemitério inglês em Lisboa (um cemitério protestante). Na sua campa citava São Paulo: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé.” Pediu para o seu corpo regressar à Hungria apenas após a saída do último soldado de ocupação soviética. Foi transladado em 1993. Não é uma figura pacífica.

Não podemos ainda fazer um juízo histórico de Orbán. Qual será a visão da sua política daqui a 50 anos?

Em ambos existem traços de autoritarismo, nacionalismo, temperados com uma religiosidade cristã e a preocupação da defesa dos valores morais. Orbán é eleito democraticamente.

O símbolo do congresso de 2021 é uma cruz relicário com relíquias de santos húngaros. Os primeiros santos da família real (Rei Santo Estêvão, Rei São Ladislau, Santa Margarida e Santa Isabel), que cá em Portugal encontramos representados na Capela de Santo Estêvão do Calvário Húngaro, em Fátima. Na mesma cruz estão inúmeros mártires recentes, vítimas dos “libertadores” comunistas e soviéticos: o bispo de Gyor Vilmos Apór (morto pelos soldados soviéticos ao defender um convento feminino), Janós Brenner, etc. . O seu crime era terem um comportamento “anti-democrático”.

Curiosamente, na cruz deste Congresso está um Santo que se pode dizer português, o Beato Carlos da Áustria, imperador da Áustria, Rei Apostólico da Hungria. O último Rei Apostólico da Hungria morreu em odor de santidade na Madeira e é assim um beato português, cujo centenário se celebra em 2022. Um beato madeirense, do Funchal, celebrado em 2021 em Budapeste. Estamos bem representados.

Pela minha parte, estava à espera que, durante o Congresso, fosse beatificado o Cardeal Mindszenty, o último Príncipe Primaz, perseguido pelos comunistas e símbolo da resistência ao regime. Um cardeal que viveu exilado e confinado na Embaixada dos EUA em Budapeste de 1956 a 1971 e que foi “forçado” a deixar a Hungria por Paulo VI. Não queria abandonar a sua diocese e o seu rebanho numa altura em que a liberdade religiosa estava em perigo.

Mindszenty era um verdadeiro herdeiro de uma religiosidade tradicional europeia, atributos estranhos ao actual pontífice argentino e à actual composição da Cúria Romana.

Gostaria de ouvir a intervenção do cardeal de Praga, Dominik Duka, que não pôde exercer o seu ministério de bispo durante os tempos da ocupação soviética e que foi forçado ao trabalho: foi designer na fábrica da SKODA durante 15 anos. Exerceu o seu ministério clandestinamente, está vivo e vai dar o seu testemunho de fé extraordinário.

Quando nasci, em 1970, havia a Cortina de Ferro, a perseguição religiosa era algo presente e é impressionante o que o mundo e a Europa Central mudaram em 50 anos. Lembro uma missa nos Jerónimos com o Padre Kondor pela libertação dos povos oprimidos da Hungria e de Timor. Ambos foram libertados de forma imprevista. Quem diria, que em 1988 o Muro de Berlim iria cair e que em 2001 Timor seria independente.

Depois de muitas considerações políticas sobre um congresso de tema religioso, termino com Fernando Pessoa, que escreveu “O mais do que isto é Jesus Cristo, que não sabia nada de finanças nem consta que tivesse biblioteca…” e lembro que um congresso eucarístico visa adorar a pessoa de Jesus Cristo na Eucaristia, isto é, a sua presença real e substancial na hóstia consagrada durante a celebração da missa.