Há quem, legitimamente, defenda a saída de Portugal do Euro e da União Europeia (UE), sendo contra as economias liberais de mercado e as regras orçamentais europeias, tenha uma repulsa pela atividade privada empresarial e se debata pela estatização da economia. Contudo, num planeta que, no âmbito do desenvolvimento tecnológico, é uma autêntica aldeia, como financiar as políticas de despesa reclamadas num Estado falido e dependente de terceiros? Com Programas de Recuperação e Resiliência (PPR’s)? Deveras paradoxal: clamar, por exemplo, pela saída da UE e do Euro, mas aceitar de bom grado PPR’s, não para criar riqueza (que pode, e deve, ser usada para combater as desigualdades sociais), mas para financiar despesa rígida!

As razões para que quase 50 anos depois do 25 de Abril os portugueses insistam em modelos que adiam o nível de desenvolvimento sócio-económico desejado são estruturais e multifactoriais. Uma sociedade complexada, com uma literacia e capacidade crítica aquém do desejável, com traços caracteriais e comportamentais idiossincraticamente desvantajosos e com uma evolução demográfica preocupante explica em grande parte esse atraso e a ausência de perspectiva de benefício comunitário de longo prazo.

Gostaria de aludir, particularmente, à demografia e ao nível educacional (que não sendo sinónimo de literacia, é um dos seus importantes indicadores objectivos) com alguns factos:

1) Portugal é o terceiro país mais envelhecido da Europa – 21.7 % da população tem 65 anos ou mais (Retrato de Portugal na Europa PORDATA, Edição 2020; 1ª Edição: Outubro de 2020);

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2) Entre 2018 e 2080, de acordo com um cenário central de projeção:

a) O índice de envelhecimento em Portugal quase duplicará, passando de 159 para 300 idosos por cada 100 jovens, em 2080, em resultado do decréscimo da população jovem e do aumento da população idosa;

b) A população em idade ativa (dos 15 aos 64 anos) residente em Portugal passará de 6.6 milhões em 2018 para 4.2 milhões em 2080;

3) Os recenseados em Portugal (a partir dos 18 anos) entre os 55 e os 74 anos correspondem a 30.91 % (https://www.pordata.pt/Portugal/Recenseados+total+e+por+grupo+et%c3%a1rio-2252-178947);

4) Segundo a Classificação Internacional Normalizada da Educação (ISCED), 71.9 % da população portuguesa entre os 55 e os 74 anos tem um nível educacional baixo.

5) “Os jovens votam menos que os mais velhos; não são apenas as pessoas que estão na faixa etária dos 18 aos 30 anos que vão menos às urnas. Este fenómeno tem vindo a alastrar-se aos cidadãos entre os 30 e os 45 anos… Este efeito, que começou em 2002, parece revelar uma relação entre a propensão dos mais jovens para não votarem e continuarem a não votar quando crescem

Estes dados revelam um país envelhecido, com perspectiva de acentuação desse envelhecimento, onde os mais velhos apresentam maioritariamente um nível educacional baixo, os mais jovens encontram-se cada vez mais afastados da política e do voto e a população activa tem uma tendência decrescente. Ora, várias consequências (passadas, presentes e futuras) não serão alheias a estes factos, nomeadamente:

  1. sendo os mais velhos tendencialmente mais dependentes (pela vulnerabilidade emanante da sua condição etária), menos diferenciados em termos educacionais e ainda com memórias vívidas do Estado Novo (frequentemente favorecedoras de uma visão partidária maniqueísta), é natural que sejam avessos a mudanças e prefiram acenos de soluções exclusivamente de curto prazo que lhes mitiguem, ou lhes deem a ilusão de mitigar, as suas fragilidades e necessidades. A opção por protagonistas com complexos ideológicos e sem uma estratégia de longo-prazo dificulta a edificação de uma sociedade mais próspera, meritocrática e justa;
  2. a dependência económico-financeira externa, o elevado nível de endividamento e a incapacidade de geração de riqueza sustentável acentuam as desigualdades sociais e ameaçam permanentemente o estado de bem-estar e protecção social. O envelhecimento, por sua vez, acrescenta dificuldades consideráveis à resolução destas fragilidades e, enquanto problema global, poderá redundar numa diminuição progressiva dos montantes dos fundos europeus;
  3. a inversão da pirâmide demográfica implicará, necessariamente, um aumento considerável dos custos em saúde;

Em face do exposto, há medidas (talvez de La Palice…) que se afiguram essenciais para inverter a tendência progressiva e comprometedora do peso da iliteracia e da demografia no nosso futuro colectivo, entre as quais:

  • implementar, desde tenra idade, políticas de sensibilização que contribuam para um comportamento global de prevenção da doença e de promoção da saúde, estimulando, assim, um envelhecimento saudável e diminuindo os custos dos cuidados de saúde;
  • adoptar estratégias de enriquecimento da literacia da população, dotando-a de maior capacidade crítica e participação cívica;
  • investir, sem preconceitos ideológicos, na criação de riqueza sustentável e duradoira, promovendo um mercado de trabalho público-privado inclusivo, variado e atrativo, para quadros qualificados nacionais e estrangeiros;
  • utilizar a receita acumulada (com impostos, contribuições para a segurança social, etc) para assegurar um estado de bem-estar e protecção social.

O que distinguiu grandes impérios da Humanidade, e alavancou nações destruídas por guerras, foi a aposta no Conhecimento, um instrumento nuclear para a construção de sociedades cultas, resilientes, participativas e evoluídas.