1 Copacabana, zero horas, dia primeiro, 2020. Pronto. E agora? Continuar como, se o “dia primeiro” não cabe em adjectivo algum e se tudo o que o envolve mal se encaixa nas palavras? Como, se o vivido aqui no Rio de Janeiro, na “virada” do ano, está a anos luz do seu gasto cliché ou de qualquer exuberante, coloridíssimo bilhete postal? Era aliás tão grande o peso do cliché, a preguiça das multidões, a fama – e proveito – da insegurança carioca que a tentação era longínqua. Até que um dia – e é assim que começam algumas boas histórias, assim quando a vida introduz o súbito toque da “diferença” no andar dos dias – o convite para atravessar o oceano se transfigurou de repente num gesto irrecusável, varrendo o resto para um canto.
E ainda bem, tão gerador de surpresa tudo foi. E inesperado, e forte.
2 Nunca se sublinhará suficientemente aliás, a abissal diferença entre o que regula o “ouvir dizer” e o que regista o presencial. Nem televisão alguma substituirá, percebi-o agora, a presença ao vivo e in loco, no palco principal da passagem do ano: magnânimos oito/nove quilómetros de areia, debruados pela Avenida Atlântica, de um lado, pelo mar, do outro. Uma branca mancha de milhões de pessoas que põem a vida e as suas dissidências entre parêntesis para exuberantemente acolher o novo ano. Festa branca na areia, nas casas, nas varandas, nas ruas. Festa das festas, mais que o carnaval, espartilhado pelas escolas de samba, onde só alguns desfilam e os outros assistem. Aqui na praia desaguou um Rio num fluxo continuo e continuamente participado. Rio universal. Alegria deslizante, genuína, transversal, interclassista. Está “todo o mundo” na praia –e está mesmo –mas nesse mundo não havia desiguais, nem desiguais direitos. E se a harmonia for breve e amanhã houver de novo muros e fracturas, hoje é dia de todos, louve-se Imanjá. Ver para crer ou o Brasil – este, o da “cidade maravilhosa” – exposto no areal. Doce, vital, versátil. Livre.
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