Provavelmente, nos dias de hoje, isto não se diz mas não posso deixar de pensar que, sem Ventura e o seu Chega, o momento político em Portugal continuava asténico, rendido às inevitabilidades do centro-esquerda refém dos extremistas do Bloco. Nota: é fácil rotular-se de extremista alguém ou alguma coisa, não é?

Quanto à direita, prefere ver o Chega como “instável”. Assim, sempre será mais fácil de conformar um qualquer acordo pós-eleitoral.

Ao Chega não se é indiferente. Nem a esquerda, nem a direita, nem os que dizem ser nem carne nem peixe.

Ora, se bem que nunca entendi o porquê do rótulo de extrema-direita, entendo perfeitamente o de “instável”. Aliás, tem que ser instável porque é anti-sistema e a estabilidade é própria do sistema.

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E é desta forma que o Chega é o sal de todo o contexto. Que faria a esquerda sem ter um alvo como Ventura? Que rasgo assistiria à direita para se distanciar do socialismo de esquerda?

No atual panorama o CDS-PP diferencia-se do IL porque é devoto a Nossa Senhora e não é selvagem. O IL difere do PSD porque vai mais além, com mais coragem, numa proposta de liberalização sem precedentes de tudo o que respire, com um programa de 600 páginas que só consegue dar uma garantia: a de que ninguém o vai ler.

Em contraponto temos o programa do Chega. As páginas do programa – que também tenho dúvidas que alguém o leia – contam-se pelos dedos das mãos. Ainda assim, aposto que lá constam os temas “castração química dos pedófilos”, “prisão perpétua”, “rendimento social de inserção”, e outros que tais, tratados com toda a profundidade merecida, naquelas páginas… ou folhas.

Será que são estes os tema-chave para o país que queremos? Naturalmente que deixo à consideração de cada um mas, sem dúvida, a mensagem passa.

Mesmo com um muito discutível gosto para escolha de gravatas, André Ventura, no que toca a debates, ganha. Sempre. Com razão e coerência, talvez nunca. Mas o que é que isso interessa? Muito pouco. O importante é a sua atitude de confronto, de resposta pronta – nem que imprecisa, ou que não corresponda à verdade. E o eleitorado diz “ele diz-lhes tudo na cara”.

Os restantes candidatos e partidos votam-no à condição de extremista, fascista, louco. Pessoalmente, acho que não merece qualquer destes adjetivos. Nos debates é ele quem marca o ritmo, a agenda, que arrasta os restantes para os temas onde se sente peixe na água: ciganos, subsídios e pedófilos. Pão e circo. Alguém se interessa por um PAN versus Livre? Duvido. Quanto a André Ventura versus Qualquer Um, já não é bem assim.

E é deste modo que André Ventura e o Chega temperam a democracia em Portugal – colocando em crise princípios e valores que damos por adquiridos fazendo-nos regressar aos porquês das coisas, impedindo-nos de embarcar de forma lânguida num qualquer capricho de Esquerda. Deixo aqui como exemplo o facto de nos envergonharmos do nosso passado e das nossas raízes.

Depois, André Ventura leva a discussão para o campo de “que o respeitinho é muito bonito”. Ora havemos de concordar que somos poucos a dizê-lo mas muitos a pensá-lo.