À nossa frente está uma grande oportunidade para mudar o paradigma de ocupação do território. Refiro-me à convergência das grandes transições – climática, energética, ecológica, alimentar, digital, demográfica e laboral – até ao fim desta década. Trata-se de uma verdadeira revolução que visa descarbonizar a economia e criar um novo mix energético, restaurar a biodiversidade, os habitats e os serviços de ecossistema, operar a transformação digital e a prestação dos serviços à distância, incentivar o rejuvenescimento demográfico e transformar os mercados de trabalho e emprego, experimentar um novo paradigma agroalimentar, agroflorestal e agroambiental e reordenar as relações cidade-campo. Há, todavia, uma condicionante de peso que dá pelo nome de governação multiníveis e que, no nosso caso, envolve cinco níveis ou escalas de governo e administração, a saber, europeu, nacional, regional, sub-regional e municipal. Nestas condições, atribuir competências, meios financeiros e recursos humanos é uma tarefa muito complexa e exigente. Vejamos, neste contexto, o que poderia ser um programa inteligente para as nossas comunidades intermunicipais (CIM).
- Um genuíno federalismo intermunicipal
Em primeiro lugar, as CIM podem fazer germinar um genuíno federalismo intermunicipal, mais policêntrico, horizontal e cooperativo, e uma verdadeira economia dos bens comuns de tal modo que, por exemplo, o sistema de agricultura e o mundo rural, que antes faziam parte da sua periferia, se transformam agora num dos principais lugares centrais da sub-região, no coração mesmo da comunidade intermunicipal e um dos seus sinais distintivos mais relevantes; este federalismo intermunicipal proporcionaria ainda aos munícipes uma oferta integrada e complementar de bens e serviços comuns, de proximidade e itinerantes, que seriam objeto de uma gestão agrupada em que a CIM desempenharia o papel de agente-principal em benefício da respetiva comunidade.
- O plano verde intermunicipal,
Em segundo lugar, o plano verde intermunicipal da CIM, para colocar em rede as estruturas ecológicas municipais e desenhar para toda a CIM as infraestruturas ecológicas, a rede de corredores verdes, a reabilitação dos ecossistemas e, bem assim, a provisão eficaz e eficiente dos seus serviços de ecossistema. O plano verde intermunicipal funcionaria como um fator poderoso de mutualização de recursos comuns – serviços de ecossistema, adaptação às alterações climáticas, mitigação de riscos territoriais, preservação da biodiversidade e implementação das infraestruturas verdes – e estes, por sua vez, como um fator essencial de solidariedade política e comunitária, em caso, por exemplo, de gestão de riscos e acidentes climáticos extremos.
- Plataforma de inovação, incubação empresarial e trabalho colaborativo
Em terceiro lugar, a plataforma de inovação e incubação empresarial da CIM, seria uma excelente oportunidade para colocar em rede as zonas industriais e as áreas empresariais da CIM e criar uma rampa comum de lançamento para a inovação industrial e a transformação digital, para os mercados de futuro, a incubação de start up e uma rede de lugares de trabalho colaborativo. Estamos a falar de uma rede de extensão e curadoria empresarial que envolve áreas de trabalho ligadas à transformação digital e inteligência artificial, gestão de sistemas de informação geográfica, controlo de pragas e doenças, produção e serviços energéticos, sistemas de prevenção e combate florestal, sistemas de controlo e monitorização, sistemas de bio economia e economia circular, redes logísticas e serviços ambulatórios, serviços de teletrabalho e telemedicina, entre outros.
- Ações integradas de base territorial
Em quarto lugar, as ações integradas de base territorial ao nível sub-regional da CIM, envolvendo grupos de ação local, associações de desenvolvimento, escolas superiores e centros de investigação, algumas delas fornecendo ambientes digitais adequados às incubadoras empresariais, espaços de coworking e laboratórios colaborativos. As ações integradas de base territorial (AIBT) são excelentes campos laboratoriais e fonte de experiências muito enriquecedoras, por exemplo, em tudo o que diz respeito à implementação do sistema-paisagem, gestão do mosaico paisagístico e seus subsistemas: o ordenamento das áreas periurbanas e suburbanas, o parque agroecológico intermunicipal, o planeamento das comunidades locais de energia renovável, a floresta de uso múltiplo e as áreas integradas de gestão paisagística, os parques naturais e suas amenidades paisagísticas, os condomínios de aldeia e as zonas de intervenção florestal (ZIF), as áreas associativas de regadio, os centros operativos tecnológicos e os laboratórios colaborativos, os banco de solos e a gestão de baldios, entre outros.
- Atração de novos residentes, talentos, empreendedores e visitantes
Em quinto lugar, as áreas de acolhimento, investigação/incubação e coworking da CIM para atrair novos residentes, novos talentos, empreendedores e visitantes, desde trabalhadores recém-aposentados, jovens estagiários, trabalhadores qualificados em regime de trabalho independente e teletrabalho, mas, também, muitos neorurais de proveniências muito diversas, em busca de novos modos e estilos de vida. E, porventura, talvez mais significativo, esta fertilização de gente jovem e menos jovem, nómadas digitais, artistas, artesãos e neorurais, é uma janela de oportunidade para muitas atividades criativas e culturais que um território criativo como a CIM pode promover no âmbito de uma nova rede urbana, de uma 2ª ruralidade e de um novo continuum cidade-campo.
- O ecossistema inteligente da região-cidade da CIM
Por último, os territórios digitais são uma espécie de novo emblema das políticas do território. Vale a pena, por isso, fazer um esforço analítico no sentido de perceber melhor em que consiste e o que está em jogo quando se fala de territórios digitais e digitalização territorial. A região-cidade inteligente da CIM contemplará, por um lado, a definição de um governo dos comuns (os cinco pontos anteriores) e, por outro, a conceção e construção de um centro partilhado de recursos digitais que é, digamos, o sistema operativo da CIM no quadro do Programa Operacional Regional da NUTS II que é, por sua vez, a meta plataforma das CIM incluídas em cada NUTS II.
Mas este propósito, expresso desta forma simples, é uma autêntica revolução na sub-região CIM. Em primeiro lugar, seria uma revolução na gestão municipal e intermunicipal em direção ao federalismo autárquico de 2º grau, o que implicaria, desde logo, uma alteração substancial na orgânica interna dos municípios e na estrutura de qualificações do seu pessoal técnico. Em segundo lugar, seria necessário combater em toda a linha a iliteracia digital, o que implicaria, igualmente, uma reforma profunda nos programas escolares e na organização do edifício escolar intermunicipal na sua plenitude. Em terceiro lugar, a região-cidade da CIM, para cumprir bem as suas novas funções, estaria obrigada a criar uma escola de artes e tecnologias para o século XXI, que seria, também, uma escola de negócios digitais em estreita colaboração com as associações empresariais, as escolas politécnicas e universidades.
Finalmente, o ecossistema inteligente da região-cidade da CIM teria de cuidar da sua responsabilidade social, pois o risco de exclusão é muito elevado num período mais ou menos longo de transição, não apenas em relação ao mercado de trabalho, mas, também, aos riscos globais e à proteção social, ou seja, o sistema previdencial da região-cidade tem agora a oportunidade de ser extraordinariamente inovador, com soluções de grande proximidade aos utentes dos diversos subsistemas de proteção e segurança social e soluções muito criativas e interessantes de mobilidade geográfica e profissional para aplicar no interior da região e em regiões vizinhas.
Notas Finais
Aqui chegados, quatro notas finais. A primeira é para concordarmos e convergirmos sobre o que devem ser os elementos constituintes do ecossistema digital de base das CIM e a sua agenda digital ao longo da década.
A segunda nota é para lembrar que o debate sobre a regionalização deve ser recolocado no âmbito da governação multiníveis (cinco níveis) e que, nessa exata medida, cada país terá o seu ponto de regionalização, ou seja, haverá vários pontos de equilíbrio para a questão regional em cada país, tudo dependendo, em primeira instância, da evolução da zona euro – mais ou menos união monetária, união orçamental, união de capitais – e, em segunda instância, da evolução interna da questão regional, um equilíbrio sempre precário entre mais ou menos regionalização política (ascendente) e mais ou menos política regional (descendente). Neste equilíbrio delicado a macropolítica europeia e a macroeconomia da zona euro (a origem dos fundos de financiamento e as regras de condicionalidade) determinarão sempre a mesoeconomia nacional e regional.
A terceira nota é para relevar que o sinal mais distintivo da região-cidade da CIM é a sua novel economia dos bens comuns, materiais e imateriais, em especial, a criação de plataformas colaborativas made in que interligam e põem em comum as pequenas economias locais dos municípios membros da CIM e as projetam para o exterior com a imagem de marca do Território Criativo CIM e toda a sua simbologia singular.
A última nota é para insistir na inteligibilidade e operacionalidade da CIM no quadro do Programa Operacional Regional respetivo. A revolução digital e cultural em curso pode fazer renascer estes territórios e, mais importante, estas sub-regiões formariam uma grande via arterial no interior do país, a coluna vertebral de que o país tanto necessita para equilibrar os excessos de localismo e centralismo, os dois excessos endémicos que explicam, há muito, os desequilíbrios territoriais do país.