Sou do tempo em que se ia a pé para a escola, fizesse chuva ou sol. Havia uma salamandra que aquecia a sala, mas convinha calçar as pantufas porque o inverno rigoroso obrigava a fazer a caminhada com botins (vulgo galochas). Não havia autocarros. Ir a pé era a única forma. Levava na mochila (que tinha de durar, no mínimo, todo o ano) os livros, os cadernos e um pão com marmelada caseira para comer no intervalo grande. Não havia cantina nem bar na escola, o recreio era em terra batida e nem baloiços tinha. O horário das aulas era das 8 horas da manhã até às 13 horas. No período da tarde iam os meninos grandes (leia-se da quarta classe).

Esta foi a minha realidade até me mudar para a escola da vila. Aí, já ia de autocarro, já havia bar e cantina, porém, eu continuava a levar o pão com marmelada. Já havia pavilhão desportivo e recreio com campos de atividade física desenhados. Também havia uma turma vulgarmente conhecida como a turma do Sátão. Em regra, uma turma de excelência. Filhos de pais licenciados e que ocupavam cargos de destaque. Pode dizer-se que seria a elite da terrinha.

Ora, a teoria das elites surgiu no final do século XIX, tendo como fundador o filósofo e pensador político italiano, Gaetano Mosca (1858-1941). No seu livro Elementi di Scienza Política (1896), Mosca estabeleceu os pressupostos do elitismo ao salientar que em todas as sociedades, sejam elas arcaicas, antigas ou modernas, existe sempre uma minoria que é detentora do poder em detrimento de uma maioria que dele está privado. Tendo em conta este pressuposto, o desenvolvimento de um país tem muito que ver com a forma como as suas elites o conduzem.

Estudar as elites é desafiante. Desde logo, pela necessidade de definir quem são e como se apresentam. No fundo, a definição de critérios para o seu estudo é o ponto essencial. No caso do Sátão, aos olhos de muitos, aquela turma representava os filhos de uma elite. Hoje tenho algumas reservas se aquela era a verdadeira elite da vila. Porém, importa compreender que as elites existem e são um fator importante a considerar no desenvolvimento de um país. Em regra, quando vemos os números de pobreza de Angola tendemos a associá-los a um elitismo que não contribui para o desenvolvimento do todo, mas sim de apenas uma parcela.

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Cada vez mais se reconhece que as elites podem influenciar o desenvolvimento económico e social de um país, através da capacidade de desenvolver o bolo económico e político da sociedade onde estão inseridas.

Sempre estudei em escolas públicas, nem sequer havia outra opção. Sempre julguei que frequentei boas escolas. Claro que não tinha termo de comparação. Todos os que frequentavam o meu ambiente também andavam nas mesmas escolas. Estávamos fechados na mesma bolha.

Esse é o grande perigo. O encerramento em bolhas.

Se a elite deixa de frequentar escolas públicas perde-se a capacidade reivindicativa para a melhoria das condições dessas escolas. Em 2019, o ensino privado tinha 390.485 alunos. Acredito que muitos destes são filhos da nossa elite.

A nossa elite política e económica está encerrada na bolha das escolas privadas. Pouco ou nada conhece da realidade das escolas públicas. Os filhos não as frequentam. Provavelmente, frequentam colégios internacionais. Para que possam ter uma carreira mais promissora. Não há nada de errado nisso. Vivemos num país livre. Cada um pode fazer as suas escolhas.

A questão, é que quem decide o percurso escolar dos muitos milhões que não podem fazer escolhas, está desfasado da realidade. Por tudo isto terá muitas dificuldades em perceber os efeitos negativos desta pandemia nos alunos. Na escola pública não há margem de manobra para aulas de recuperação, não há possibilidade de adaptar o ensino aos que têm mais dificuldades. As famílias que frequentam a escola pública não podem pagar explicações…

Com as elites a saírem da escola pública entramos num ciclo vicioso de degradação. São as elites que reclamam com o diretor da escola por melhorias no pavilhão de desporto, ou por melhores condições de climatização. Se estas saem da esfera pública ficam apenas os pais que não têm capacidade reivindicativa, seja porque trabalham longas jornadas, seja porque não se sentem creditados a falar com quem julgam que tem mais conhecimento que eles.

Seja à direita ou à esquerda, a educação tem de ser um tema central em qualquer governação. Não se pode deixar degradar um sistema educacional, essa é a premissa para as elites passarem a trabalhar apenas para a fatia e não para todo o bolo.