É sempre em momentos de turbulência política que no mundo, e em especial em Portugal, se cita Groucho Marx. É uma pena, mas não se fala nele fora deste contexto. E é sempre da mesma forma, por parte dos comentadores políticos, utilizando sem ressalva a expressão “Estes são os meus princípios, e se não gostarem, tenho outros”, numa alusão ao marxismo versão Groucho associado às contradições de um qualquer candidato político. Inclusive Theresa May igualmente chegou até utilizar essa citação associada a Groucho, num debate parlamentar com Jeremy Corbyn. Aconteceu, acontece, e acontecerá em breve voltar-se a ouvir essa frase.

É quase tão repetida quanto a famosa história de Olof Palme de “querer acabar com os pobres”, e a cada vez que ela é contada é alterado o destinatário da locução.

A frase é engraçada, sim, e dá para fazer repetidos trocadilhos com o apelido Marx dando a entender que se fala de Karl Marx (tal como eu fiz neste artigo), mas sucumbe ao problema de nada comprovar que essa frase tenha mesmo sido dita por Groucho Marx. Aliás, aparece pela primeira vez associada a Groucho no The Yale Book of Quotations, em 2006, com uma fonte duvidosa que remete para a década de 80, quando o comediante já nem sequer estava neste mundo. A própria plataforma de fact-check de citações, Quote Investigator, fez em 2010 uma investigação sobre esta frase, assumindo-a como possível, mas incomprovada, até porque já existiria bem antes de 1890, ano de nascimento de Julius Henry Marx (Groucho). Não conheço, e não se conhece, nenhum filme, livro, ou episódio de um dos seus programas de rádio e de televisão em que essa piada tenha sido dita por ele. E não é a única em que isso acontece. Há imensas citações falsamente atribuídas a Groucho Marx, que, diga-se, têm um estilo que podia muito bem ser o seu, o que consubstancia um legado não necessariamente mau. Mas não se conhece a fonte. Acontece igualmente com fotos de um suposto Groucho Marx, pelas redes sociais ou por merchandise do comediante, que são, na realidade, outras pessoas mascaradas, como é o caso de Steve Kanfer, que escreveu a biografia The Essential Groucho, cuja capa é precisamente o autor com os característicos óculos e bigode de Groucho, ou como é o caso de Frank Ferrante, que tem dado vida a Groucho Marx em peças de teatro.

Woody Allen, no monólogo inicial do icónico Annie Hall, refere a frase “Nunca pertenceria a um clube que aceitasse alguém como eu como membro”, avisando que é uma expressão normalmente atribuída a Groucho Marx, apesar de achar que aparece originalmente num livro de Freud. A não ser que se estivesse mesmo a referir a uma possível primeira origem da frase, Woody Allen, ao contrário dos comentadores políticos, não precisaria de alertar para o “normalmente atribuída a Groucho Marx”, já que esta expressão é mesmo referida na autobiografia Groucho and Me, no capítulo «Foot in Mouth Disease», no contexto de uma carta de renúncia de membro, que teria enviado a um clube no qual não se enquadrara.

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Se os comentadores pretenderem uma expressão de Groucho, igualmente transversal, que me parece que pode ser mais bem utilizada em situações pontuais, que aconteceu mesmo e pode ser comprovada no filme Duck Soup (Grandes Aldrabões), deixo esta sugestão: “Cavalheiros, aqui o Chicolini pode falar como um idiota e parecer-se com um idiota, mas não se deixem enganar… ele é mesmo um idiota”.

E para os candidatos, aconselho até que alguém replique em plena Assembleia da República um dos icónicos momentos musicais, passado no filme Horse Feathers (Penas de Cavalo), onde Groucho Marx, na personagem de novo Presidente da Universidade, invoca o refrão: “O que quer que seja, eu sou contra!”.

Há imensas expressões reais de Groucho Marx que podem ser utilizadas nas mais variadas situações da vida, mas que, de facto, ficam especialmente bonitas e ironicamente descritivas do mundo da política. Não serão precisas as que não sabemos se ele disse.