A sustentabilidade está na moda. A seca também. A crise das matérias-primas e dos materiais igualmente. Devagar, mas seguramente, começa a não haver. E quando não há ou há menos os preços aumentam. Se não houver uma mudança quase total da forma de fazer política, de produzir bens de consumo e de consumir, então, senhoras e senhores, o futuro próximo dos que por cá andam, e dos que por cá começam, será segura e infelizmente bem mais complicado, triste, inseguro e feio do que o nosso, dos nossos pais, avós ou bisavós.

A seca não é de agora. A seca em Portugal é de algumas décadas para cá, endémica. Mas, tanto os políticos como a comunicação social só parecem aperceber-se disso quando… não chove mesmo nada. Esta é agravada pelas alterações climáticas, que pasme-se, chegaram mais cedo e com mais intensidade do que os modelos previam. Portugal está localizado numa área geográfica que tende para ser uma extensão do deserto do Sahara e portanto a ter o género de clima aí presente, com uma pluviosidade mais baixa. Na realidade, no cenário do aumento de temperatura em 2ºC (quase certo no modelo socioeconómico vigente nas economias ocidentais) previsto para 2060, será como se a Península Ibérica tivesse migrado 500 km para sul. E o que fica nessa latitude? O Sahara.

Paradoxalmente, a infeliz invasão da Ucrânia pela Rússia criou um exercício real de um muito provável futuro próximo de escassez, não necessariamente devido a uma guerra (sendo, no entanto, provável, à medida que os recursos, como a água começarem a escassear) mas devido aos impactos previstos, efetivos e muito reais das alterações climáticas. Ora vejamos alguns exemplos: deslocação de populações inteiras (visto!), queda na produtividade agrícola (visto!), aumento do preço dos alimentos básicos (visto!), aumento dos custos com energia (visto!).

Tradicionalmente são feitos apelos pela comunicação social, ou em cartazes espalhados pelas cidades, para que os cidadãos “fechem a torneira” ou “poupem água”. Invariavelmente, em zonas mais vulneráveis, chega o dia em que a água é racionada ou que é abastecida por auto tanque. No entanto, estudos internacionais indicam que, ao nível global, 87% da água potável disponível é usada em agricultura, que usa vinte e duas vezes mais água do que os agregados familiares de 7,8 mil milhões de pessoas. De facto, segundo o estudo O uso da água em Portugal, encomendado pela Fundação Calouste Gulbenkian em 2020, 75% da utilização de água potável em Portugal é feita onde? Na agricultura.

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Percebe-se facilmente a importância da agricultura na garantia de sobrevivência da espécie humana, mas com grande importância deverá vir grande responsabilidade. Assim, a agroindústria deverá assumir um papel de liderança na consciencialização, na mudança de mentalidade e estratégias e, no mínimo, na adopção de um conjunto de melhores práticas que promovam o consumo responsável de água, bem como a sua poupança.

No Alentejo, essa revolução tranquila foi iniciada ao nível regional pela indústria vitivinícola em 2015. O Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo (PSVA), projeto da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, pioneiro em Portugal e único no País, promove ativamente o uso de metodologias que não só promovem a poupança e o armazenamento de água, bem como a capacidade de resiliência dos sistemas vitícolas em relação a um clima mais seco, quente e agreste.

Neste Alentejo que faz o seu caminho, caminhando, assistimos à adesão crescente de viticultores a simples instrumentos de controlo e monitorização dos consumos de água, como o caudalimetro, até a software de rega de precisão apoiados por drone ou dados de satélite. Todas estas ferramentas permitem aos viticultores utilizar apenas a água indispensável à sua cultura, sabendo em alguns casos a quantidade precisa de água a administrar a cada uma das videiras presentes num talhão. Por outro lado, a adesão cada vez maior a formas de agricultura regenerativa aplicada à vinha, permite não apenas a poupança de água, como a sua conservação no solo, e o aumento da capacidade de resistência à falta de água contínua. Métodos como a semeadura de enrelvamentos nas entre linhas, mas também a plantação de bosquetes, de sebes e arbustos são formas muito práticas e efetivas de auxiliar o sistema natural a regenerar-se e, por consequência, a adquirir alguma da resiliência necessária. No Alentejo já se pratica algo que, para a grande maioria da agroindústria ao nível europeu, ainda é uma miragem, a reutilização de águas municipais residuais devidamente tratadas para rega de vinha.

Saltando para outro tema, as adegas, temos vários exemplos de produtores que recolhem as águas das chuvas (quando esta cai) para reutilização após tratamento nas lavagens da adega. E, por falar nessa reutilização, que dizer dos milhares de litros poupados ao reutilizar a água praticamente limpa das lavagens das garrafas nas linhas de enchimento? E que dizer da corrida entre pares para garantir aquele rácio mágico de 1 litro de água consumida para cada litro de vinho produzido? São vários os produtores alentejanos que já estão nesse rácio ou que para isso trabalham afincadamente todos os dias.

A agricultura gasta muita água, é verdade. Talvez até mais do que devia. Mas no Alentejo ouve visão e abertura, há vontade e conhecimento, e haverá sempre inovação. Começámos num período em que éramos olhados com desconhecimento e algum cepticismo, mas hoje estamos um pouco mais bem preparados para estas futuras alterações climáticas que já cá estão. E isso dá-nos esperança de poder enfrentar com algum alento os difíceis tempos que se adivinham. Mas sozinhos não vamos conseguir. Nem a sustentabilidade é uma palavra mágica quer irá resolver todos os problemas da sociedade moderna, só porque está escrita numa embalagem ou porque é apregoada por meia indústria ou na televisão. É preciso fazer. É preciso aceitar mudar. É preciso sair deste modelo de exploração de recursos para um de regeneração. É preciso perceber, de uma vez por todas, que o hoje deixou de ser como o ontem, e seguramente o amanhã será ainda diferente. E precisamos de todos. Dos governos, das (agro) indústrias e de todos os consumidores.

E, nos Vinhos do Alentejo planeamos continuar a adaptar-nos e se possível liderar pelo exemplo.