Embora estejamos a menos de um mês das eleições legislativas de 2022, é possível que cheguemos ao dia 30 de janeiro sem que muito seja proposto para melhorar a vida da comunidade emigrante portuguesa. A dificuldade de acesso ao voto, a elevada taxa de votos nulos conferida por um processo problemático e os preocupantes níveis de abstenção nos círculos da emigração não são novidade, mas faltam esforços para alterar essa realidade. Os círculos da emigração não são uma prioridade eleitoral. Arriscamo-nos a ter mais um período eleitoral em que a maioria dos emigrantes são impossibilitados de votar, em que os seus boletins de voto não chegam às suas moradas ou não chegam à contagem de votos. No geral, mais um período eleitoral em que a comunidade emigrante, as suas necessidades e a sua integração nos principais momentos democráticos são largamente ignoradas. Como é que isto se tornou possível?

Para as eleições legislativas de 2022, estão inscritas para votar 926 312 pessoas portuguesas no círculo eleitoral da Europa, o que faz deste círculo o terceiro maior depois de Lisboa e Porto, e antes de Braga. No entanto, Lisboa elege 48 deputados, o Porto 40, e Braga 19, enquanto o círculo eleitoral da Europa tem direito a apenas dois representantes na Assembleia da República. Os círculos da emigração (Europa e Fora da Europa) representam cerca de 14% dos eleitores inscritos, mas são representados por menos de 2% dos deputados. A clara desproporcionalidade destes números, para além de antidemocrática, impede a pluralidade na representação da diáspora, que há décadas se encontra refém da eleição dos mesmos partidos e representantes. A falta de voz da comunidade emigrante portuguesa na Assembleia da República e no debate público deve-se a um simples facto: o voto de uma cidadã portuguesa residente no estrangeiro vale desproporcionalmente menos que o voto de quem reside em território nacional. A contribuição económica, social e cultural da comunidade emigrante portuguesa para o seu país é assim desprezada.

A desvalorização da comunidade emigrante portuguesa não passa despercebida. É plausível que a elevada abstenção nos círculos eleitorais da Europa e Fora da Europa (88% e 91%, respetivamente, em 2019) seja também reflexo de uma comunidade que se sente esquecida e que, também por isso, se afasta do voto e da participação política. A reduzida auscultação feita à comunidade emigrante tarda e falha em gerar soluções concretas e efetivas, deixando assim as pessoas votantes nesta comunidade sem mecanismos eficazes para se fazer representar no seu país. Porque vivemos em democracia e somos parte construtiva do projeto da União Europeia, as portuguesas e os portugueses têm hoje a oportunidade de construir, em qualquer lugar do mundo, vidas e identidades enriquecidas e abertas, que muito contribuem para o nosso país. Mas essa liberdade tem de implicar a igualdade de direitos e deveres conferida pela cidadania portuguesa, sem excepções.

A defesa de uma representação emigrante adequada à dimensão desta comunidade passa necessariamente por uma discussão sobre a lei eleitoral, que data de 1979 e está claramente desajustada da realidade em matéria de representatividade na Assembleia da República. Mas passa também – e isto não é menos importante – por um esforço contínuo de incentivo à participação política alargada e inclusiva. É recorrente a queixa de falta de presença dos representantes políticos junto das pessoas emigrantes. Neste contexto, o papel nevrálgico do movimento associativo tem de ser reconhecido. As centenas de associações portuguesas de emigrantes têm uma longa história de trabalho de proximidade e estão por isso numa posição privilegiada não só para auscultar a comunidade emigrante, mas também para ser parte activa da implementação de soluções que a sirvam.

Mais ainda, entidades como o Conselho das Comunidades Portuguesas são meramente consultivas (e muitas vezes descredibilizadas), e por isso falta consequência à orgânica que apoia a população portuguesa emigrante. As consultas ao Conselho das Comunidades Portuguesas devem ser obrigatórias, e não facultativas, e o seu trabalho deve ser ativamente articulado com o trabalho do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Secretaria Geral das Comunidades Portuguesas. É com base numa articulação mais eficiente e consequente entre as associações, o Conselho das Comunidades Portuguesas, o Governo e a Assembleia da República que se poderá desenvolver a política de proximidade que devolve às comunidades emigrantes a presença dos seus representantes, que lhes é devida, garantindo a sua inclusão e participação na política nacional.

É erosivo para o sistema democrático assumir que os emigrantes portugueses não têm interesse na política nacional. Independentemente do motivo ou período de tempo pelo qual resida no estrangeiro, uma pessoa emigrante não perde necessariamente os seus vínculos familiares, sociais e económicos com o território nacional, bem como não perde o direito a voltar a Portugal; os assuntos da vida pública e política nacionais não deixam, por isso, de ser relevantes para os emigrantes. Emigrar, permanecer na diáspora ou voltar a Portugal são decisões difíceis, inevitavelmente ligadas às políticas públicas e às condições de vida em Portugal. Emigrar alarga a cidadania portuguesa a novos territórios, mas não pode nunca restringir direitos constitucionais como o da participação na vida pública. A comunidade emigrante portuguesa quer, merece e tem direito a mais e melhores oportunidades de envolvimento com a vida democrática do nosso país. Tarda já o trabalho que precisa ser feito para as criar.

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