Um ano após o início da crise pandémica é tempo de diagnosticar as suas implicações e desenhar estratégias para as enfrentar, construindo o futuro. No Ensino Superior e Ciência, esta crise veio expor vários problemas e fragilidades, mas em simultâneo revelou capacidades que importa reforçar e valorizar. Infelizmente, as “vitaminas” propostas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para este setor arriscam desperdiçar as oportunidades criadas, contribuindo para intensificar as fraquezas postas a descoberto.

No PRR, Portugal assume a previsão de aumento da despesa em I&D para 3% do PIB até 2030. Importa também assegurar, e isso não é claro, que essa orientação de reforço do investimento na Ciência permitirá valorizar a principal riqueza do sistema científico e tecnológico nacional: as pessoas, a sua massa crítica.

A qualidade da produção científica é potenciada com a profissionalização do trabalho científico e constituição de equipas de investigadores com saberes e rotinas estabilizadas. Se o aumento preconizado de financiamento em I&D for aplicado, como tem sido nos últimos anos, a promover projetos de investigação pontuais e contratação de investigadores em sucessivas posições precárias, o caminho de pedras que todos conhecemos vai permanecer.

Uma outra meta definida no PRR aponta para o aumento do número de diplomados jovens e adultos no Ensino Superior, garantindo a igualdade de oportunidades. Não há dúvida que a capacidade de reposicionamento competitivo do país no espaço europeu passa pela melhoria do perfil de qualificações dos portugueses. É incompreensível, porém, que este objetivo não seja acompanhado por estratégias de reforço de capacidade e competências pedagógicas dos docentes do ensino superior, para acolher uma diversidade crescente de estudantes.

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Se o aumento do número de diplomados for apenas suportado por uma anunciada transição digital, reduzida ao investimento em equipamentos informáticos e em acesso à internet, será muito preocupante. É urgente apoiar os professores na reconfiguração das suas práticas docentes.

A adaptação dos processos de ensino-aprendizagem a um contexto em que é preciso assegurar distância física entre estudantes e professores, não resulta direta e mecanicamente da introdução de tecnologias em educação. Essa adaptação depende, sim, do trabalho individual e cooperativo dos professores no sentido de continuamente prepararem, monitorizarem e reajustarem estratégias de ensino.

Professores e investigadores têm sido resilientes durante a crise pandémica. Reconhecer essa resiliência e fomentar condições mais dignas e adequadas ao desenvolvimento do seu trabalho de docência e investigação é crucial para a recuperação social e económica do nosso país. É necessário promover condições de ingresso e progressão na carreira que reconheçam o trabalho que já foi realizado,  estimulando o que ainda falta desenvolver.