“Pior que morrer, é morrer sem viver”.
André Pengorin

Decorridas cinco semanas de confinamento, sinto-me no limite. E confesso que me estou a borrifar para os números do Covid-19, sigo-os muito por alto. Pareceu-me importante no momento inicial ficarmos o mais resguardados possível, quer para proteger os mais frágeis quer para “testar” a nossa capacidade de resposta, em recursos materiais e humanos. Dar tempo aos profissionais de saúde de se prepararem e identificarem a melhor forma de gerir o que aí vinha.

Uns chamam-nos milagre, outros dizem que estamos piores que os outros. Na realidade, independentemente dos números, vários são os cientistas que consideram este vírus tão perigoso ou mortal como qualquer outro. Ainda esta semana a Maria Manuel Mota, diretora do Instituto de Medicina Molecular, disse ao Expresso que, “este é um vírus que “quer viver e vai-se adaptando a viver connosco. E nós vamos ter de adaptar-nos a viver com ele”. Uma coisa é certa: “não é o primeiro, não será o último, temos constantemente vírus nas nossas vidas. Este é mais problemático do que uns e menos do que outros”. Acrescenta ainda que “na sua “opinião pessoal”, é necessário proteger os mais idosos mas não se pode “estagnar” a vida dos mais jovens”. Se ela o diz que é cientista, quem sou eu para discordar? Mas nem chego a discordo, antes pelo contrário, concordo em absoluto.

O confinamento aconteceu uma semana antes de ter sido decretado pelas autoridades. Nós, portugueses, temos mostrado mais sabedoria e maior maturidade que as autoridades todas juntas. Fomos nós que avaliámos e percebemos o timing certo para o início deste confinamento e agimos de imediato. Decorridas cinco semanas, parece-me ser o momento de, com algum afastamento e a protecção possível, recuperarmos a vida normal. Não é só a economia que não aguenta. Eu também não. Sinto a minha saúde – para já física mas em breve, mental – a deteriorar-se por estar em casa. E sim, eu sou uma privilegiada, que tenho casa e acesso ao que é essencial.

No Uganda uma mulher morreu enquanto tentava percorrer 3 Kms a pé para dar à luz no hospital mais próximo porque os taxistas recusaram levá-la. São realidades incomparáveis, com um ponto único em comum – qual é o limite para o afastamento social?

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É imperioso encontrar um equilíbrio. Não podemos ficar fechados em casa muito mais tempo. Precisamos de viver. Precisamos de conviver. Precisamos de nos mexer.

E precisamos de cuidar de todas as outras doenças. Para quem gosta de números, também há números de mortes não Covid-19 – e comparativamente com os anos anteriores, aumentaram. Porque as pessoas têm receio de ir ao hospital e porque os hospitais cancelaram todos os exames “não urgentes”. Como é que sabem se são urgentes ou não? Eu por exemplo, tenho uma dor nas costas e dormência há meses. Como não sou de me apressar a ir ao médico, só fui passados uns 4 meses. Marquei os exames recomendados para daí a mais uns 2 meses. Foi tudo cancelado. Não estou preocupada com o meu caso particular que, seguramente, pode esperar. Mas eu interrogo-me sobre outras situações. Quantos exames cancelados poderiam denunciar situações que requerem tratamento urgente?

Não podemos passear ao ar livre mas podemos estar horas numa fila de supermercado?  Não podemos passear sozinhos na praia mas podemos passear o cão no jardim? Não podemos ir a um restaurante mas podemos comprar comida online ou take-away e ver grupinhos de “Uber eats” junto ao McDonalds à espera de pedidos? Não nos podemos deslocar de carro sozinhos ou família mas os polícias que nos controlam os passos podem estar em amena cavaqueira, sem qualquer cuidado com distancias ou protecção pessoal?

Os meus pais, na casa dos 80 anos, reclamam por não verem os netos. Dizem eles que preferem ficar doentes do que não verem os netos. E eu, apesar de os contrariar, percebo e concordo. Qual é o ponto de prolongar a vida de qualquer um de nós se não a pudermos viver? Se temos de ficar longe de quem mais gostamos? Se não podemos fazer o que mais prazer nos dá? E na realidade, se isto é verdade para todos, não será mais ainda para eles?

O ponto está no equilíbrio e esse tem de estar no bom senso e responsabilidade de cada um de nós. Obrigar a este confinamento muito mais tempo não mata só a economia. Mata-nos a todos.