No dia 29 de maio de 2018, eu, Ana Rita Bessa, deputada do CDS-PP, serei chamada para votar os projetos do PAN, BE, PEV e PS que visam a legalização da Eutanásia em Portugal.

E há um conjunto de questões com que me confronto.

Pode a Eutanásia ser considerada com um ato de liberdade individual?

A Eutanásia – que significa intencionalmente pôr termo à vida de uma pessoa que sofre de uma doença incurável ou que está em grave sofrimento – pressupõe a expressão livre de uma vontade (da pessoa em sofrimento), mas também a ação de um terceiro para a concretizar (do profissional de saúde).

Nos projetos de lei em causa, a pessoa em sofrimento “entregará” a um painel de médicos a avaliação, a capacidade e o poder de decidir sobre a sua vida, e serão estes que, ultimamente, dirão se a pessoa viverá ou poderá ser morta.

Nesses projetos estão também definidas as condições restritas em que a Eutanásia pode ser praticada, porque os próprios partidos proponentes sugerem que um sistema de saúde não deve organizar-se como uma estrutura de morte a pedido.

Isto decorre de, como sociedade, estarmos organizados para impedir a morte, mesmo daqueles que a procuram, por exemplo, através do suicídio: colocamos redes nos viadutos para impedir as pessoas de saltar, permitimos o internamento compulsivo dos que não podem zelar pela sua integridade.

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Se a Liberdade fosse o valor supremo nesta decisão, então esta não teria que ser remetida para o fim da vida e teria lugar em qualquer situação.

A Eutanásia não é, portanto, uma questão de liberdade individual, uma vez que é restrita ab-início nas condições em que pode ser feita, que está dependente da avaliação de outros sobre o sofrimento do próprio, e que se insere numa sociedade em que está jurídica, social e culturalmente estruturada para a proteçãoda vida humana – própria ou de terceiros.

Deveríamos, antes, discutir a penalização da Distanásia?

A Distanásia – que significa o prolongamento de uma vida, por meios artificiais, mesmo quando isso implica sofrimento para o doente – é o oposto da Eutanásia e, desde há muito, é considerada uma má prática médica. Mas ainda existe…

Não sei dizer se a discussão deveria ser sobre a sua penalização, se isso faz sentido e em que termos. Mas defendo o direito a recusar tratamentos fúteis, obstinados, que causam sofrimento, aos próprios e às famílias cuidadoras, e o consequente direito universalizado a cuidados paliativos e a conforto terapêutico no fim de vida. Estes são direitos fundamentais que recentemente, por proposta do CDS, foram aprovados no Parlamento e que apelamos a que cada vez mais cidadãos conheçam.

Serão, então, os cuidados paliativos a resposta suficiente para o sofrimento em fim de vida?

Sim e não.

Os cuidados paliativos são os cuidados de saúde prestados à pessoa com doença incurável, avançada e progressiva, com o objetivo de intervir no sofrimento global (físico, psicológico, emocional), independentemente da doença de que sofre e do prognóstico, e apoiam também a família.

São, ao momento, a concretização mais completa da resposta que o Estado pode e tem que dar, do ponto de vista da competência científica e clínica. Isto sem que o próprio Estado se comprometa com opções que o tornam desconexo nos seus valores fundamentais, comprometendo o Bem Comum.

Os cuidados paliativos não são uma resposta total, porque nunca serão a “cura” que, no fundo e com compreensão, se deseja. A “cura” da doença ou a “cura” plena de todos os sofrimentos. Mas oferecem o melhor que a humanidade tem para dar: cuidar de quem atravessa a fase final da vida, aliviando o seu sofrimento para que este não se torne destrutivo e combatendo a solidão.

Será o Parlamento o local certo para decidir sobre a legalização da Eutanásia?

A meu ver, sim, será. Será, mas não é neste momento. O Parlamento é a representação democrática dos cidadãos do país, em proporção das suas posições, no qual, e com essa capacidade, se tomam decisões em nome de todos. Nesta legislatura, o Parlamento não está capacitado para decidir sobre a legalização da Eutanásia porque não foi mandatado para tal por via dos votos devidamente informados com base nos programas eleitorais, programas esses que não expressaram as posições dos partidos sobre a Eutanásia.

A todas estas perguntas respondo, como deputada e como pessoa, com uma dose de certezas e uma outra de dúvidas.

Pondero o profundo respeito pelo sofrimento vivido, real e insuportável, e que muitos poderemos vir a experimentar como resultado da nossa condição humana; assumo a ausência de explicação para o sentido de muitas situações prolongadas de antecâmara da morte; revolto-me pelo atraso e insisto na universalização dos cuidados paliativos como condição de um fim de vida digno.

Integro a dimensão ética da alteração significativados valores estruturadores da nossa sociedade que a Eutanásia implica; atento aos pareceres negativos do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, do atual e ex-Bastonários da Ordem dos Médicos, da Ordem dos Enfermeiros, da Ordem dos Advogados, do Grupo Inter-Religioso de Trabalho para as questões da Saúde, da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, entre outros; leio os emails de cidadãos que me pedem cautela enquanto legisladora; peso a responsabilidade que me compromete com queles que me elegeram.

Compreendo a complexidade da questão, rejeito simplificações e todos os “julgamentos”, mantenho dúvidas, sei da irreversibilidade que a legalização da Eutanásia significa.

E é por tudo isto que, na votação nominal de dia 29 de maio de 2018, eu, Ana Rita Bessa, deputada do CDS-PP, votarei contra os projetos do PAN, BE, PEV e PS. Votarei contra a Eutanásia.