Na França, a coligação eco-esquerdista NUPES, liderada por Mélenchon, lidera as sondagens nacionais, seguida de perto pelo Rassemblement National (RN) de Marine Le Pen. As próximas eleições presidenciais só terão lugar em 2027. Muita coisa pode mudar, mas entretanto podemos especular acerca das possíveis consequências de um confronto eleitoral entre os dois extremos da política francesa. Interrogo-me: o que poderá acontecer se Le Pen e Mélenchon forem os dois candidatos presidenciais? A primeira pergunta que me parece pertinente é a seguinte: qual dos dois actores políticos radicais será capaz de persuadir e mobilizar os moderados fartos do actual estado da nação gaulesa, os economicamente marginalizados, os indecisos, os abstencionistas e boa parte da classe média?
Naturalmente, é possível que surja um candidato moderado e carismático que, tal como Macron e Sarkozy, invoque o perigo do extremismo e seja capaz de seduzir uma maioria centrista com uma mensagem que exalte as virtudes da moderação e da competência tecnocrática que, no caso de Macron, se revelou inconsequente. O argumento macroniano da meritocracia foi esvaziado pela realidade.
É provável que a crise política e sócio-económica que persiste obstinadamente beneficie Le Pen e Mélenchon, sobretudo se as tensões entre os banlieues etno-culturalmente diversos e as autoridades francesas se agravarem e se a classe média francesa temer, por boas razões, que uma vitória da esquerda radical ponha em causa o seu estilo de vida bon vivant.
Le Pen, recordemos, não propõe uma reformulação radical do sistema económico. Já não defende o fim do Euro e já moderou o seu discurso anti-globalização. Estas mudanças tem apenas um objectivo: remover o medo dos efeitos do radicalismo nacionalista e convencer parte da classe média a apoiar a extrema-direita. Quando Le Pen visita o norte industrializado e depauperado, onde residem os ex-esquerdistas que a apoiam, insiste nos temas da justiça social e laboral e associa-os habilmente à sua agenda nacionalista: o trabalhador francês deve ser protegido não porque é um trabalhador, mas porque é um citoyen da República Francesa.
Le Pen não perdeu o apoio de parte da classe trabalhadora do norte, apesar da NUPES. Muito pelo contrário. Se for entrevistada pela TV, foca as questões identitárias e releva as preocupações dos trabalhadores e dos pequenos empresários. Hoje defende uma descida de impostos para os trabalhadores e, claro, para a classe média baixa. O ênfase redobrado nas questões identitárias é uma espécie de mecanismo de compensação para a relativização da sua outrora feroz oposição à UE e à globalização. Expurgou a negação destrutiva da sua comunicação política e, ao fazê-lo, dissociou a noção de custos proibitivos (anti-UE, anti-globalização) da sua agenda nacionalista. Será bem sucedida? Será atormentada pelos fantasmas do passado? O futuro dirá. As suas campanhas são intimistas, prefere sempre o contacto cara-a-cara às campanhas mediáticas em larga escala que, em virtude da sua abrangência social, têm sempre a “ambiguidade construtiva” como leitmotif, um atributo discursivo que engendra neblinas e contradições que não raramente se revelam politicamente onerosas. É a política francesa que mais viaja pelo país. Esta sua estratégia eleitoral personalista permite-lhe calibrar in loco a sua mensagem com uma precisão prussiana. Conhece muito bem a república que pretende governar. É, de longe, a mais inteligente e astuta política francesa.
Sim, é uma oportunista nata capaz de reformular posições, mas todos o que nela votam conhecem a sua essência ideológica: é uma nacionalista pragmática. Há um core ideológico irredutível que permanece inalterado e que, até certo ponto, nulifica a acusação de que é uma oportunista. Além disso, a sua valorização da acção decisiva não é, hoje, uma vulnerabilidade. É um recurso precioso. Tudo indica que os Franceses estão fartos do imobilismo mórbido da República. O que eles e elas querem é, acima de tudo, mudança.
Mélenchon e o saco de gatos que congregou no NUPES tresandam a bafio porque as suas propostas são meras variações de falhanços colossais, sendo as generosas políticas de integração dos banlieues o mais flagrante exemplo. A memória traumática dos recentes tumultos urbanos não se esvanecerá e a interpretação de Mélenchon sobre as suas causas convence poucos. A verdade é que as políticas assistencialistas ainda em curso fracassaram estrondosamente e podem até ter contribuído decisivamente para a tribalização crescente da sociedade francesa. Por conseguinte, a resposta à pergunta inicial parece-me clara e inequívoca: o Rassemblement National de Marine Le Pen está mais bem posicionado para conquistar o poder em 2027. O RN tem mais espaço para crescer do que o NUPES. Acredito que só uma figura à la De Gaulle poderá salvar a França da extrema-direita liderada por Marine Le Pen. Se Le Pen ganhar as eleições presidenciais de 2027, será confrontada com um verdadeiro tormento: como governar uma república profundamente dividida e com uma longa tradição de insurreição civil?