Da Geração Z até aos Baby Boomers, a pandemia das dancinhas e das tendências estranhas entrou em casa de novos e velhos, ricos e pobres. Com um crescimento homólogo ao do coronavírus, enfrentamos uma peste digital sem vacinação possível… O TikTok.

Para compreender melhor o fenómeno, há que perceber de onde vem esta rede social. O TikTok nasceu das raízes da app Musical.ly, espaço online onde se partilhavam vídeos de lip-syncing (playback) ou danças acompanhadas por músicas pop. Em 2017, a Musical.ly foi vendida à gigante ByteDance por mil milhões de dólares e os utilizadores foram transladados para o TikTok, versão atualizada da Musical.ly.

No fim de 2016, período em que o TikTok ainda era Musical.ly, o total de contas criadas andava na casa dos 80 milhões. Hoje em dia, segundo a BBC, os números cresceram para dois mil milhões.

O crescimento não é injustificado. Mais recentemente, com o aparecimento da Covid-19 e com a consequente quarentena, pautada pelo aborrecimento de muitos, o TikTok encontrou terreno bastante fértil para ganhar um espaço no pódio da competição das redes sociais.

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Enquanto outras aplicações, como o Instagram ou o Youtube, são dominadas por influencers, que para crescerem, precisam de explorar constantemente novas áreas digitais, o TikTok é controlado por “trends” (em português, “tendências”) que duram meses e a que todos conseguem chegar. Essas trends podem nascer no quarto, na casa de banho, em qualquer lado, e obrigam apenas ao uso de um telemóvel.

Para que o dono de um canal no Youtube tenha sucesso, precisa de presentear a sua audiência com conteúdo inovador, para que se possa destacar de forma notável de todos os outros canais na plataforma. Um youtuber (dono de um canal no Youtube) dificilmente ascenderá ou será reconhecido se não tiver introduzido conceitos novos que o façam sobressair em relação a outros youtubers do mesmo nicho.

Em contraste, para ser “TikTok famous” (termo com que os utilizadores da aplicação batizam aqueles que têm quantidades avultadas de likes e seguidores), basta imitar outros, em dancinhas ou gestos sem nexo. Trends como as que viralizaram este ano, onde centenas de utilizadores fingiram ser reencarnações de vítimas do Holocausto ao som de músicas pop; mães a bombardearem recém-nascidos com água gelada; ou o “Skullbreaker Challenge”, nascem quando um “TikTok famous” as decide fazer. São gestos atrozes, mas não atrozes o suficiente ao ponto de chocar os milhares de utilizadores que os repetem, ou os milhões que os subscrevem.

Se o TikTok é perigoso, e é, o maior perigo reside na facilidade com que qualquer um pode ser famoso, seja o criador da trend, o que a replica no instante a seguir, ou o que a comenta… Formam-se ciclos viciosos e, infelizmente, duradouros… Pessoas sem talento, ou aparentemente sem talento, criam movimentos, esses movimentos são replicados por outras pessoas sem talento, e isto repete-se e repete-se.

O crescimento abrupto do TikTok espelha bem a génese desta era. A era onde o reconhecimento e a influência partem dos números, likes e seguidores. Em tempos, esses números eram merecidos, reflexo de esforço e criatividade. Hoje, podem tanto significar isso como podem ser sinónimos de repetição ou de imitação. Foram-se os tempos da originalidade. No TikTok prolifera o culto da imagem e da moda; da fama a todo o custo; da ideia de que esse brilho a que muitos aspiram justifica todos e quaisquer meios, desde encarnar o papel de uma vítima da Segunda Guerra Mundial a maltratar um recém-nascido.

Há motivo para desânimo, no entanto, nada está perdido. Fui dos poucos jovens com a minha idade a ser sortudo, ao ponto de ter pais que controlavam o meu percurso na internet quando era mais pequeno. Fiquei várias vezes de castigo. Odiava. Hoje, e não se passaram assim tantos anos, agradeço aos meus pais por terem estado presentes, sempre a par dos perigos que a internet oferecia, porque ao estarem atentos aos perigos da altura, conseguiram livrar-me de muitos outros que apareceram mais tarde, como o TikTok.

A todos os pais com filhos pequenos que possuem os seus próprios smartphones, a todos os pais que os emprestam… Tomem consciência do conteúdo a que os vossos filhos podem estar a ser sujeitos. Tomem a decisão certa, entre uma birra porque lhes tiraram o telemóvel, ou um filho internado porque caiu no desafio do crânio partido; entre um filho a chorar porque não pode jogar Angry Birds, ou um filho que começou um incêndio enquanto tentava fazer o desafio da moeda. O futuro está nas vossas mãos.