Há objetos com certa carga simbólica, pelo deslumbramento e mistério que nos suscitam e/ou suscitaram. Lembro-me, dos tempos da minha infância, de uma caixa de madeira especial fechada com uma pequena chave. Aquele detalhe da fechadura miúda numa caixa assim não tão pequena, com um belo tom e perfume a madeira, fascinava-me. Aquela caixa cheirava a antigo e a segredos. Fazia-me imaginar que objetos especiais pudessem estar ali guardados.

No meio de um turbilhão de preocupações, fui sonhar com um tesouro dentro desta caixa. Um sonho afetivamente reconfortante e antídoto para as inquietações. Há lugares dentro de nós onde nos podemos abrigar das intempéries das circunstâncias mais difíceis da vida; devemos assim, nos momentos difíceis, confiar nos recursos interiores que possuímos, valendo-nos dos objetos com valor que temos escondidos e nos podem ajudar a sentirmo-nos amparados.

É importante termos noção para nós mesmos que temos as nossas (boas) memórias como boia salva vidas onde nos podemos agarrar até passar a tempestade. Lembremos os soldados em combate na guerra, como se suportavam das memórias vividas nas suas terras natal, e os olhares para as fotografias das suas amadas guardadas no bolso que evocavam a lembrança de momentos belos de suas intimidades.

Há momentos na vida que a vivência do presente é inundada de dificuldades e de um sentimento de desamparo. Para não mergulhar na tristeza profunda, há que fazer um esforço e lembrar a história que temos vivido acumulando experiências boas e más mas de modo a mantermos uma ligação vital mental, lembrarmos como já ultrapassámos outras fases difíceis.

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O nosso mundo interno é habitado por fantasias, pulsões, relações entre os que guardamos como bons e maus objetos. Quanto mais conscientes das ligações e influências que estes objetos ocupam dentro de nós, melhor podemos relacionarmo-nos e fazer uso destes.

A subjetividade de cada um é singular, sendo que cada um de nós terá uma matriz interna que faz ecoar tónicas emocionais variadas, possuindo cada um sensibilidades diferentes, interpretações diferentes de si, das relação com seus pensamentos e afetos,  das relações com os outros , com o mundo envolvente. Sermos capazes de identificar as cambiantes da nossa matriz, ajuda-nos a seguir um caminho mais ou menos árduo na forma como sentimos os acontecimentos da nossa vida.

Nestas conjugações internas, as memórias ocupam um lugar de grande destaque, pois constantemente recorremos a elas como lembranças e modos de comparação com o que no presente é atualizado no modo como lemos o mundo e  atuamos. E se queremos ser emocionalmente inteligentes, nesta fase de dificuldade, que pode ser ainda mais ampliada pela angústia devido aos receios (reais) de uma aproximação de tempos de crise, agarrarmo-nos aos recursos internos pode ser uma estratégia para fazer face à possibilidade que pode surgir perante o aperto dos recursos externos.  Não nos deixarmos esmagar por angústias persecutórias que possam piorar a visão da realidade e ceguem a capacidade de ver mais além de modo a ultrapassar os obstáculos.

Experimentar olhar em retrospectiva para a linha dos acontecimentos sucessivos da nossa vida, identificar os momentos significativos de crise e prosperidade, as personagens boas que nos acompanharam e acompanham, poderá ser uma mais valia para dar continuidade à desenvoltura das nossas consolidadas experiências. Se a tendência em olhar para dentro for de alguma forma evitante, porque não ler Em busca do tempo perdido, de Proust, e assistir à erudição da arte da reminiscência. Pedir memórias emprestadas onde parece que não há lugar ao esquecimento e tudo é detalhe, tudo é perene, tudo é bucólico e belo.

anaeduardoribeiro@sapo.pt