Sendo certo que não existem sistemas 100% sem falhas, a verdade é que não é comum encontrarmos sistemas com um nível de falha como aquele que a votação por correspondência nas eleições legislativas de 2024 apresentou: 40%.

Uma falha de tão grande escala e que indicou que quase metade de todos os votos das comunidades fossem dados como “nulos”: algo está errado (e muito errado) no sistema utilizado nestas eleições. São milhares de pessoas que manifestam a sua vontade de participar no processo eleitoral e cujo voto não é contado. Este nível de falha indica que o problema não está nas pessoas (como foi sugerido por muitas pessoas com responsabilidades políticas e partidárias), mas no sistema, e esta opinião é reforçada pelo que já se tinha passado nas legislativas anteriores quando 157 mil votos foram também declarados “nulos”. Uma tal escala de falha poderia ter alterado (ainda que de forma improvável) o vencedor das eleições dado que não seria impossível que estes 40% (122.327 votos) fossem em maioria para o PS o que teria anulado a vantagem da AD e invertido, consequentemente, os resultados eleitorais que colocaram a coligação encabeçada pelo PSD a apenas 54 mil votos de vantagem sobre o PS.

O voto digital (remoto, pela internet e com várias camadas de segurança) continua a ser a forma preferencial de aumentar a qualidade e quantidade da participação eleitoral dos nossos emigrantes, mas essa revolução tem esbarrado no conservadorismo dos nossos eleitos e no temor de “perda de controlo” (que agora com a vitória do Chega nestes círculos deverá ser reforçado). A prazo, continuamos a acreditar no Voto Digital, mas numa fase intermédia pode haver alternativas mais convencionais. O voto dos emigrantes é também o ambiente ideal para testar o Voto Digital.

Contudo, e sem esquecer a eventual aceitação do Voto Digital, poderá existir uma forma simples e segura de reduzir esta tremenda taxa de “nulos” que, na prática, coloca em causa o processo eleitoral porque tem impacto directo e visível na repartição dos 4 deputados para a Assembleia da República eleitos no estrangeiro: actualmente, quando um contribuinte se esquece ou se acaba de registar no site da Autoridade Tributária recebe em casa um código de confirmação do registo. E se a CNE enviasse para as moradas registadas dos eleitores no estrangeiro uma carta registada com um código numérico?

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As eleições legislativas de 2024 revelaram uma alarmante taxa de 40% de votos nulos no sistema de votação por correspondência. É crucial rever os procedimentos eleitorais para garantir a integridade do processo democrático. Embora o voto digital seja uma opção promissora, enfrenta uma grande resistência política. Uma alternativa viável – temporária – seria a de enviar códigos de confirmação aos eleitores no estrangeiro, semelhante ao processo da Autoridade Tributária.

Na prática o processo transitório sugerido e que procura replicar – através do envio postal – o sistema de voto digital (em uso no Reino Unido, Utah (EUA) e na Estónia):

1. Gerar um código único. Antes de enviar os boletins de voto, cada eleitor receberá por carta selada um código único (PIN). Este código será associado ao eleitor de forma segura, garantindo que apenas o eleitor tenha acesso ao mesmo e que consta nos cadernos eleitorais.

2. Incluir o código no boletim de voto e no envelope. Aquando da abertura do processo eleitoral enviar dois envelopes e escrever o código no interior do envelope exterior numa marcação dedicada a essa função. O eleitor deverá confirmar a recepção do envelope e respectivo código no site do portal do eleitor, por SMS ou por chamada automática de voz para um Call Center na CNE. Se não o fizer, ao fim de um dado prazo, os serviços da CNE deverão confirmar a morada.

3. Verificação no recebimento do envelope de voto. Quando os envelopes de voto forem recebidos para escrutínio, os escrutinadores vão verificar se o código no envelope corresponde ao código associado ao eleitor, assim como o nome completo e a data de nascimento. Isto pode ser feito manualmente ou através de um sistema automatizado informático de verificação.

4. Confirmar a elegibilidade do eleitor. Além de verificar o código, os escrutinadores também devem confirmar se o eleitor está inscrito, o que pode ser feito comparando as informações do eleitor com o registo de eleitores.

5. Manter a segurança dos códigos. É crucial manter os códigos de verificação seguros e protegidos contra acessos não autorizados para evitar fraudes ou manipulações.

Um processo alternativo de identificação/validação da presença do eleitor nos cadernos eleitorais poderia passar pela revalidação de forma eletrónica nas embaixadas e consulados feita no https://eportugal.gov.pt com a indicação expressa de que o eleitor deseja usar o voto postal, após o que o código único é enviado por carta ou email.

Este procedimento de voto postal, validando os votos durante a contagem por meio de uma aplicação móvel ou SMS, preservaria o sigilo do voto e simplificaria o processo para os eleitores, fortalecendo o sistema eleitoral. Não visa, contudo, ser uma alternativa final ou acabada, mas uma abertura de um debate que importa abrir para conseguirmos resolver esta grave falha sistémica que explica a perda de quase metade dos votos da imigração, numa percentagem que é incompatível com uma democracia de qualidade pela distorção que provoca quanto à representatividade efectiva dos 4 deputados eleitos nestes círculos.