Primeiro devo esclarecer que nada nos parágrafos que se seguem deve ser encarado como um apelo a que me sigam. Este texto não se destina a convencer quem me lê a ser como eu, destina-se aos outros que não são, para que me convençam a ser como eles. Depois, estou preocupado porque descobri que o problema neste país está no meu voto, ou melhor, no meu não voto. Sim, sou um abstencionista convicto de que o sou e, a avaliar pelo muito que se fala na abstenção, chego à conclusão de que o meu voto é muito mais importante do que os outros. Leio gente a querer impor a obrigatoriedade do voto, sou acusado por um escritor de contos femininos de só querer ter direitos, na noite eleitoral a abstenção ocupa metade do tempo dos comentadores (claro que podem argumentar que é a melhor metade…), etc. Eu até sou capaz de entender porque pode ser um problema, mas já que toda a gente fala dele, mas ninguém parece interessado em perguntar porquê, cá vão as minhas razões reforçando que, se você quer ser abstencionista, arranje justificações para si. Estas são minhas!

Eu não voto porque, para mim, não serve para nada. E não, não é a justificação microeconómica elaborada do Luís Aguiar Conraria. Eu estou perfeitamente convicto de que o voto não serve para nada e espero que nos próximos quatro anos os eleitos agora me provem o contrário.

No entanto, não fui toda a vida abstencionista. Até 2015 ia votar com os meus filhos ao lado, para que eles olhassem para o meu exemplo. Acreditava, e ainda acredito, que é a conjugação de todas as vontades que no fim resulta na melhor decisão de um país para o governo do estado, a parte do país com poder sobre os outros. Mas repare-se que António Costa perdeu as eleições em 2015, foi primeiro-ministro; ganhou em 2019, vai ser primeiro-ministro e, logo, a não ser que as leis da lógica tenham sido revogadas pelo parlamento cessante, então as eleições não são um fator determinante para decidir o governo do estado.

Por isso, a minha face perante os meus filhos no que a democracia diz respeito, perdeu-se. Toda a conversa de que nós devemos votar porque é importante que o governo do estado seja escolhido pelo país no seu conjunto foi para o lixo no dia em que Cavaco Silva resolveu que o meu voto não serve para isso. A partir desse dia, em revisão informal da constituição, o voto que interessa é dos 230 deputados, mesmo que não seja o mesmo dos 10 milhões de portugueses. Uma fraca evolução face ao Estado Novo, diria eu, que percebo pouco disso.

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Um dos altos dignatários da República, não me recordo qual deles, dizia a título de apelo ao voto que esse é o momento em que somos todos iguais. O senhor não deve ter tido a presença de espírito de entender que aquilo que ele disse é exatamente que o voto não serve para nada. Perante ele, nós devemos ser iguais sempre! Se o momento do voto é o único em que somos todos iguais, então essa é a demonstração de que não serve para nada porque, se servisse, todos os momentos seriam momentos em que todos seríamos iguais perante o estado. Isto para dizer que os apelos ao voto também não têm sido particularmente felizes no sentido de me convencerem.

Repare-se, no entanto, que não estou a dizer que a diversidade de opiniões expressa pelo voto não é um bom mecanismo de governo de uma sociedade. Pelo contrário, estou consciente, até porque matematicamente assim se mostra, que a diversidade é a forma de otimização de adaptação perante um amanhã que nunca conhecemos. É a forma ótima de um organismo de componentes múltiplas, tal como um povo, de se desenvolver. Aquilo que estou a dizer é que não sinto a república portuguesa como um espaço onde isso se passa, onde a diversidade é respeitada e incentivada para além dos vãos e contraproducentes apelos ao voto que vão caindo a cada semana pré eleições.

E mais detalhes posso dar. Não é verdade que o meu voto interesse mais na decisão da política educativa do que a do cidadão Mário Nogueira. Mais, o voto do cidadão Mário Nogueira interessa mais que o voto de 90% dos portugueses que recusaram o voto no PCP ou no BE. No dia em que escrevo estas palavras sai a notícia de que o cidadão Arménio Carlos afirma perante os jornais que vai contestar as decisões do primeiro-ministro indigitado António Costa. Isto independentemente do facto da decisão dos eleitores ter sido que o governo do estado seja feito pelo cidadão António Costa e não de acordo com os interesses dos associados do cidadão Arménio. Portanto, eu só posso concluir que é irrelevante aquilo que eu penso e expresso no voto, já que logo de seguida o cidadão Arménio faz disso letra morta e o que interessa é o que ele acha.

Agora, estas eram as razões que eu já tinha para não ir votar no dia 6 de Outubro. O que aconteceu desde lá foi descobrir que não só o meu “um voto” não serve para nada, como se tivesse 142 mil votos, tal seria, da mesma forma, irrelevante. Numa atitude inqualificável, a República Portuguesa entendeu que não precisava dos votos dos emigrantes para levar a política para a frente. Como se eu fizesse um jantar lá em casa e, já que estavam todos menos os que moram no Porto, começassem todos a comer para não arrefecer a comida. Ou decidisse, por exemplo, que o filho mais novo não precisava de grande educação porque os outros dois já garantiam a continuidade da família e a sustentabilidade da segurança social. Se outra razão não houvesse, podem Suas Exas. ter certo de que, a mim, não me apanhavam lá mais.

Deixem-me reforçar que nada disto é para que me sigam. Arranjem as vossas razões para não votarem porque as minhas são só minhas. Isto serve para que as pessoas que apelam com profunda vacuidade ao voto entendam as razões de quem não o faz. E, se acharem por bem, fazerem alguma coisa sobre o assunto. Isto porque, na verdade, toda a gente se preocupa muito, mas não há uma alminha que pergunte o que quer que seja.

O importante é o país, isto é, as pessoas, as suas famílias e os seus empregos. O estado, esse, só é importante se for útil ao país. Desta feita, 51% das pessoas acharam que não deviam dizer nada. As conclusões que tire cada um. Se me quiserem convencer do contrário, eu vou continuando por aí.

(As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente o seu autor)

 Co-Fundador da Closer, Professor e Investigador