Uma menina de doze anos, chamada Leonor, foi retirada pela GNR à mãe, levada da casa onde vivia em Vila Pouca de Aguiar para Vila Real, por decisão da escola que frequentava, da Segurança Social (Comissão de Protecção de Crianças e Jovens) e do Tribunal de Família. Protecção de Crianças e Jovens e Tribunal de Família, repito.

Porquê esta violência contra uma criança? Cometeu algum crime? Praticou bullying contra os colegas na escola? Não. A razão desta pena foi a vontade das entidades públicas de castigar a mãe, por esta se recusar a obrigar a filha a pôr máscara na escola.

Exactamente: a mãe recusou-se a pôr máscara na filha, invocando que o seu uso lhe provocava dores de cabeça. A escola entrou em conflito com a mãe da criança e recusou a entrada da Leonor, que assim faltou três dias às aulas, e apresentou queixa à Segurança Social para chegar a tribunal.

As técnicas da Segurança Social, dita Protecção de Menores, concluíram sumariamente que, para o bem da Leonor (e nosso), deviam recorrer a um Juiz para decretar a pena pedida pela escola e decidida à partida, colocando a mãe na ordem.

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Qual pena? Retirar a menina à mãe, levá-la de sua casa em Vila Pouca de Aguiar e colocá-la em Vila Real em casa dos avós paternos, e assim obrigá-la a frequentar uma escola que não era a dela, com colegas que não conhecia, com professores que nunca tinha visto e terminar em glória o ano lectivo… de máscara.

Todos sabemos a violência que é para uma menina de 12 anos deixar a mãe, a escola onde andam as amigas e os amigos com quem brinca, a comida a que está habituada, a sua cama e os seus brinquedos, etc., e levá-la num jipe da GNR cheio de polícias.

Tudo pelo bem dela (e nosso, claro), porque a máscara não dá uma falsa sensação de protecção como até há pouco dizia a DGS, mas é uma defesa fundamental contra o vírus chinês, indiano ou Delta.

Decidiram castigar a menina para castigar a mãe, uma vez que o conflito é com a mãe que fica sem a filha durante dois meses, sem avaliar que o castigo, a pena, é maior e de consequências mais graves para a criança.

A pena de retirada dos filhos aos pais que não usem máscara não está prevista em nenhum código penal. Mas se não está será certamente por incúria do Parlamento, ou de alguém. Deveria estar – dirão os decisores desta ordem sanitária que nos passou a reger e que se baseia na inspiração de momento das autoridades políticas, de saúde, de educação ou judiciais, ou outras que se sentem na obrigação de o fazer por cima de toda a nossa ordem jurídica ou constitucional.

Mais ou menos código, mais ou menos direitos ou garantias, não tem a mínima relevância na opinião destes tiranetes, o importante é  que, a cada momento e em cada dia e onde estivermos, haja quem zele por nós e nos dê ordens que nos salvaguardem a saúde e a vida.

Toda a história da Leonor tem sido acompanhada pela CMTV e sem eles pouco saberíamos. A CMTV tem diligentemente entrevistado a mãe da criança e dado a conhecer esta inacreditável história.

A primeira vez que ouvi a mãe a ser entrevistada pelo jornalista José Carlos Castro segui as suas palavras com muito interesse para perceber o que se passava e quem era aquela mãe.

Passaram-me pela cabeça todos os estereótipos que se possam imaginar. Será que a mãe maltrata a menina e ela é vítima de violência doméstica? Será que a deixa abandonada, só em casa e ausenta-se dias? Será que nunca vacinou a criança e lhe faltam os cuidados mais básicos de saúde? Passa fome? Não a leva ao médico nem à escola? Vive numa lixeira, ou é sem-abrigo? Será que a menina nunca usou máscara desde o início da pandemia, será que a mãe é uma negacionista militante? Todas estas questões ou semelhantes foram postas à mãe por José Carlos Castro.

A mãe respondeu sempre serenamente como quem está seguro, mas profundamente magoado e tem que se defender do que sabe serem os estereótipos destas situações. Apenas só e visivelmente em sofrimento por ela e, sobretudo, pela filha.

A mãe da menina explicou que a filha tem as vacinas em dia, que antes usava máscara, mas começou a sentir dores de cabeça, que só faltou três dias à escola porque a escola não a deixava entrar sem máscara, que propôs alternativas, etc., etc.

Nada de particularmente grave, apenas o confronto com o Estado que se acha no direito de, pelo nosso bem e pelo bem da criança, enfiá-la à força num jipe da GNR e levá-la da mãe, da escola, da terra onde mora.

Este é o maior atentado que vi aos direitos de uma criança em Portugal e é intolerável. Não se pode aceitar que, para “castigar” a mãe por uma obstinação qualquer contra a máscara, se faça tal brutalidade a uma criança. Vivemos num Estado de Direito em que há e sempre houve linhas vermelhas que não podem ser ultrapassadas.

Por uma máscara, aquela menina foi condenada por um juiz de um tribunal de família à pena de exílio de sua casa e afastada da mãe por dois meses. Intolerável.

No tempo da ditadura de Salazar, nunca tal foi feito. Retirar filhos aos pais para os reeducar, repito, retirar filhos aos pais para os reeducar, é uma prática que foi feita nalgumas ditaduras e nalguns regimes fascistas ou comunistas. Em Portugal, nunca foi feito pela ditadura. Nunca Salazar, ou a PIDE, se atreveu a retirar um filho para o colocar num ambiente mais conducente com os ideais nacionais de então.

E, agora, pode-se? Atropela-se assim a Constituição e os direitos liberdades e garantias dos cidadãos? Não é tolerável. Espezinha-se assim a Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela ONU desde 1989 e em vigor desde 1990, onde se escreve logo no preâmbulo: “Reconhecendo que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade, deve crescer no seio da família, em ambiente de felicidade, amor e compreensão.”

A obstinação de uma professora (parece que directora de turma) que não foi capaz de convencer uma mãe a pôr uma máscara na filha, ou levá-la ao centro de saúde para lhe fornecerem uma máscara própria para quem tem necessidades respiratórias, ou enxaquecas; que chama a Segurança Social, cujas técnicas não conseguem convencer a mãe; que vão para um juiz que nem recebe o atestado médico que a mãe apresenta e que não lhe retira a responsabilidade parental, mas retira-lhe a filha… Que abuso e violência são estas?

O relato da mãe é tanto mais evidente como absurdas e patéticas são as respostas do Ministério da Educação, ou a sentença do juiz e prova que as diversas autoridades intervenientes confirmam o que ela disse à CMTV.

Sobre tudo isto, por exemplo, esclarece o Ministério da Educação em nota da Lusa: “Por ordem judicial a criança retirada à mãe em Vila Pouca de Aguiar frequenta uma escola em Vila Real após uma situação de abandono escolar e recusa de uso de máscara.” Escreve, ainda, o Ministério da Educação, “neste momento, a aluna de 12 anos frequenta a escola, com normalidade, usando máscara, no cumprimento da legislação e regras sanitárias em vigor”.

Com normalidade diz o Ministério da Educação. Normalidade! Será que ninguém se questiona sobre o princípio jurídico da proporcionalidade entre o crime e a pena? Não percebem o que é uma criança e consideram que a obrigatoriedade do uso de máscara justifica mandar a polícia raptá-la a casa? Não se questionam do excessivo castigo à criança? Não percebem que o Direito deve servir sempre o superior interesse da criança? Superior interesse da criança é retirá-la à mãe? Perdoem a repetição. Há aqui uma desproporção imensa entre o crime (não pôr a máscara) e a pena. Não encontraram nenhuma solução que salvaguardasse a Leonor?

Será necessária esta demonstração de poder brutal contra uma menina que não quer usar máscara, ou contra a sua mãe e o poder instituído do senhor juiz que decidiu a pena?

Que triste história a que nunca pensei assistir.

A tristeza e o sofrimento desta mãe e desta menina vão marcar as suas memórias, mas também são o retrato triste dos atropelos à democracia e à liberdade neste país que nos envergonha.

Perante isto, só apetece repetir aquela frase batida: não foi para isto que fizemos o 25 de Abril!