As convenções são ubíquas e importantes na vida social. São construções sociais quase sempre arbitrárias: no hétero patriarcado1 amarelo2 as pessoas cumprimentam-se com vénias, enquanto no branco3 o fazem ou agarrando & abanando a mão direita do outro sujeito, ou esfregando as bochechas nas do objeto da cortesia. Qual é melhor? Até ao Covid-19 era impossível dizer. Depois, a DGS tentou tornar a cotovelada convencional, sem grande êxito. O que nos chama a atenção para outra caraterística das convenções: são difíceis de reformar e são frequentemente o rabo de fora reacionário dos revolucionários4 mais radicais. Quando foi a última vez que viu dois socialistas cumprimentarem-se levantando a palma ou o punho direito no ar?

Frequentemente a arbitrariedade das convenções não contradiz nenhuma evidência factual, teórica ou empírica. Mas há casos em que o faz. Às vezes essa contradição é inofensiva, como por exemplo, na expressão comum “o levantar do Sol”: todos sabemos que o Sol não se levanta, que “o seu levantar” é aparente & resulta do rebolar da Terra. Outras vezes, infelizmente, a convenção social distorce a nossa visão do mundo e da realidade. E pode levar as pessoas o cometerem barbaridades5.

No hétero patriarcado amarelo, que engloba as Chinas, as Coreias, o Japão e o Vietname, bem como as suas diásporas, é tradicional atribuir um ano às crianças quando nascem. Isto pode parecer estranho a quem esfrega as bochechas com as dos transeuntes conhecidos, mas tem a sua razão de ser. Afinal, a pessoa que nasce não começou a existir biologicamente no dia do nascimento. Já vivia antes disso. Há quanto tempo? Depende de caso para caso. Atualmente conhecemos o tempo médio da existência entre a concepção y o parto natural. Mas esse conhecimento não existia 200 anos atrás, nem 40 séculos antes. Assim, os 9 meses tradicionalmente atribuídos à gravidez na Europa, e os 10 meses imputados na Ásia, são aproximações razoáveis e, em ambos os casos, com alguma base de conhecimento empírico. A esta luz, o atribuir à criança 1 ano de vida no dia do seu nascimento não parece despropositado: usa a data do nascimento, que não é incerta, para inferir a data do início da vida, que é incerta, mas que é o que é relevante para o assunto em causa.

Esta chinesice asiática, aliás, parece menos arbitrária que a Europeia. Enquanto a concepção dá origem a uma mulher6, o nascimento é apenas um marco arbitrário no seu desenvolvimento. Antes da sua concepção, a pessoa não existe; depois existe e acontecem muitas coisas importantes no seu desenvolvimento físico. Para além do nascimento, o aparecimento do primeiro dente, o primeiro passo, o controlo das atividades excretoras ou o início da puberdade são alguns dos outros marcos importantes do processo de crescimento que também poderiam ser adotados —arbitrariamente— para marcar o início da contagem da idade de uma pessoa. O que tem de especial o parto que o nascimento do primeiro dente não tenha? Com os cuidados adequados um bebé pode sobreviver & crescer autonomamente longe da mãe alguns meses antes da data provável do parto natural. E sem o apoio necessário, geralmente prestado pela mãe, não consegue sobreviver sozinha mesmo quando já tem meia dúzia de dentes em ambos os maxilares.

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A atribuição de zero anos no momento no nacimento é, pois, um erro insidioso que contribui para que algumas almas simples assumam que antes do nascimento não exista nada, ou que o que possa existir não seja um ser plenamente humano. Pensar que algo com um cordão umbilical não é plenamente humano é tão arbitrário como afirmar que para gozar de personalidade plena são necessários os quatro dentes do sizo. Mas o erro é real e, com base nele, legitima-se o matar seres humanos nas suas fases iniciais de crescimento. Considerar que aqueles que assassinamos não são plenamente humanos é uma prática com uma longa tradição.

Assim, decisão recentemente tomada pelo governo Sul Coreano de se passar a usar, para efeitos de contagem da idade legal, o sistema tradicional de contagem do hétero patriarcado europeu branco constitui não tanto mais uma vitória do imperialismo cultural euro-americano quanto uma lamentável vitória de uma convenção arbitrária sobre um sistema baseado na natureza das coisas.7 Felizmente que no hétero patriarcado amarelo as tradições são mais resistentes que noutras partes do mundo, pelo que é provável que o sistema natural de contagem de idade continue ainda a ser amplamente usado na vida social coreana durante algumas gerações, tal como ainda o é na China e tal como o tradicional calendário lunissolar continua a regular os ritmos e estações sociais nas Xinas e Koreias.

Mas é mais uma derrota para aqueles que defendem que que as convenções sociais, incluindo as leis8, devem ser razoáveis, isto é, se devem conformar o mais possível com a realidade das coisas.

U avtor não segve a graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein a do antygo. Escreue coumu qver & lhe apetece. #EncuantoNusDeixam

  1. Patriarcado: sistema social em que a prole explora, atormenta e faz da vida dos progenitores uma miséria; são frequentemente coadjuvados nessa missão pelas mães.
  2. Amarelo: a cor do limão; sorriso do sr. eng. Costa e do quem o ouve; este lexicografo nunca conseguiu encontrar chinês, coreano ou japonês de cor amarela, nem antes, nem depois do banho; todos lhe aparecem como sendo mais brancos que o sr. eng. Marcelo no Verão ou o sr. eng. Costa no Inverno.
  3. Branco: cor que goza de reputação escura, negra às vezes; característica que, na humanidade, determina o caráter da pessoa, isto segundo estudos científicos recentes que infirmam uma doutrina racista antiga que defendia que o carater de uma pessoa não tinha qualquer relação com a cor desta e que a cor seria irrelevante para julgar o valor de uma pessoa.
  4. Revolucionário: defensor da lei & da ordem numa versão alternativa; proponente de uma alteração abrupta na forma de desgoverno; advogado de reformas radicais com vista a aumentar a felicidade do povo meio grama; político que vê o derramamento de sangue como justificável na prossecução de mudanças políticas essenciais, desde que seja o dos outros; quase sempre, fala-barato (felizmente, para nossa felicidade & prosperidade).
  5. Barbaridade: aquilo que os barbeiros fazem; aquilo que os barbeiros dizem enquanto o fazem.
  6. Mulher: construção ideológica do hétero-patriarcado branco sem fundamento científico; a sua inexistência real torna o uso do termo inofensivo y incapaz de causar ofensa; segundo teoria fabulosa de Aristóteles, bicho que vive nas imediações dos homens, mas que não é domesticável; termo usado por S. Gabriel na saudação angélica para designar o conjunto de toda a humanidade.
  7. O sistema tradicional já tinha sido substituído, para efeitos legais, no Japão, nas Chinas e na Coreia do Norte durante o século 20. No Vietname foi substituído durante a ocupação francesa.
  8. Lei: prima afastada da Justiça com a qual se dá mal e frequentemente corta relações; vizinha da realidade, que amiúde não entende; instituição que sofre de ilusões de poder, nomeadamente de ser capaz de impor padrões de comportamento e sistemas de moralidade (ver, por exemplo Constituição da República portuguesa); não infrequentemente, a sua patologia torna-se extrema e leva-a a assumir as funções legitimamente exercidas apenas pela Misericórdia, pela Compaixão e pela Solidariedade; numa democracia é suposto ser o eleitor quem a gera, mas a virtude da senhora democracia levanta dúvidas legitimas sobre a verdadeira paternidade da Lei, embora não haja dúvida que é ele que a tem que aturar toda a vida.