E, depois, há os pensos rápidos. As aberturas fáceis. As máquinas de lavar, o micro-ondas e a Bimby. O velcro, claro. As mudanças automáticas, a condução assistida e os indicadores de parqueamento. O GPS (que nos dá, todos os dias, a ilusão de sermos só nós a introduzir as coordenadas do nosso destino). Os computadores (que trouxeram esta ideia que, num mundo fácil, tudo o que vale a pena é “multi-funções”). O delivery e o take away. O teletrabalho. O telemóvel (que tem câmara fotográfica, jornais, televisão, cinema, bibliotecas, terminais de pagamento, os recursos de um escritório, jogos e todo um comboio interminável de coisas, a caber dentro de um bolso). E há a inteligência artificial. E as “escadinhas” dos alertas, antes da chuva ou do frio nos assoberbarem, que nos dão a ilusão de que a Natureza nunca nos apanha de surpresa. E tantas (mas tantas) coisas mais que — mesmo quando alguém,  no meio duma tormenta, nos confidencia: “não está fácil!…” — a certa altura, quando se pára, é impossível não se sentir que a vida nos mima com  facilidades. Ou (talvez mais isto) que a tecnologia tornou a vida mais fácil.

Claro que, a seguir, existem os pais. Que (e quem não é assim?) tentam que a vida dos filhos seja fácil; sempre mais fácil. E, apesar das limitações que decorrem dos seus orçamentos, lhes dão as marcas que eles preferem e os mimam com brinquedos e gadjets (um bocadinho “antes de tempo” e duma forma nem sempre muito equilibrada). E, na mesma “onda”, vem a escola. E a forma como acabamos a tentar “facilitar” a vida deles, com materiais, explicações, notas almofadadas e muito, muito trabalho de pais.

E há auto-estradas. E viagens de avião “low cost”. E mobilidade global. E comunicações versáteis e “baratas”. É claro que, há, também, o clima; que está muito doente. E os recursos vitais do planeta; que são consumidos com uma gula que os depaupera. E a natalidade; que exigiria outro tipo de atenção e de cuidados (mas que, pelos vistos, não é importante). E a desigualdade económica; que, contra tudo o que seria sensato, não pára de aumentar. Mas nem por isso parecemos ter coragem para afirmar que nada, na vida, é fácil. Afinal, entrámos todos nesta “onda positiva” em que, sem nunca ninguém o dizer de forma clara, parece não ser recomendável assumirmos que a vida é difícil. Porque isso quase parece significar estarmos à procura de problemas. Uma canseira!

Ora — desculpem-me! — há muitas alturas em que, de forma denodada, andamos todos a trabalhar para a “publicidade enganosa”.  Mas, desde quando, é que o parto sem dor faz da maternidade uma experiência fácil? E será que reparamos no trabalho, duro e dedicado, que um bebé tem que levar por diante para conseguir rodar sobre si, para se virar? E, por mais que nada disto seja fácil de aceitar pelos pais, será que crescer é fácil? (E, notem, não ser fácil e ser-se infeliz não são, definitivamente, sinónimos!) E aprender: é fácil? E namorar? E amar? E ser feliz, por exemplo? E faz sentido que, a determinada altura, haja quem tenha ousado falar em “divórcio fácil”? E confrontar-mo-nos com as dores — as pequenas e aquelas que nos atropelam — é fácil? E com os insucessos e com as perdas? E com partes estúpidas da nossa vida (que são uma espécie de pó, que chega, em silêncio, e se acumula)? E as pessoas: são fáceis, as pessoas? Começando por aquelas que nos amam? São fáceis quando falam por meias-palavras? Ou quando se “arrufam”? Ou quando não entendem a precocidade da nossa capacidade de entendimento e não validam aquilo que sentimos? São fáceis quando têm uma fúria ou as sentimos a fazer de fortes e a desmoronar, por dentro, à nossa frente? E ter irmãos: é sempre fácil? E decepcionarmo-nos com os nossos pais: é fácil? E querermos gostar deles, para sempre, da mesma forma, e não conseguirmos: é fácil? E sentirmos algumas pessoas a morrer, dentro de nós, ou nos sentirmos a desistir delas, de forma passiva: é fácil? E a sexualidade: é sempre fácil? E as relações com os amigos ou as relações no trabalho, são fáceis?

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Nada, na vida, é fácil! E não ser fácil não quer dizer, por inerência, que seja difícil. (Muitas vezes, sê-lo-á!) Quer dizer que não é fácil. Só isso! E não, não é a experiência que torna o que não é fácil e o difícil em coisas fáceis. É a inteligência com que reconhecemos uma dificuldade, a transformamos num problema e o resolvemos. Ao fácil chega-se com trabalho e com inteligência. E com pessoas!! Que nos ensinam que a vida se torna complexa e simples, de cada vez que a repensamos e repensamos e repensamos. Ao fácil chega-se muito mais depressa se não se “for” sozinho.

Mas, ao contrário do que devia ser, querermos o fácil numa versão de “pronto a vestir”. Que nos chegue “à cabeça” quase sem trabalharmos para ele. E isso só complica. Querermos chegar ao fácil por tutoriais. E num “faça você mesmo” do género: “perca 10 quilos em 30 dias”, é preguiçoso. Isso mesmo! Quanto mais procuramos o fácil a todo o custo mais facilitamos. Mais criamos dificuldades. E mais nos consumimos entre o impulso e a frustração.

É aqui que, todos nós, como pais e como pessoas, falhamos. Muitas vezes! Queremos viver os sofrimentos de forma fácil. Assumimos, falando baixinho, que ser feliz é interditar qualquer dor de se atravessar no nosso caminho. Inventámos incompatibilidades entre podermos ser seguros e viver a ansiedade, quando ela nos surpreende. Presumimos que chegar ao fácil e estar triste, de vez em quando, “não dá com nada”. Em resumo: custa-nos perceber que o fácil não é uma porta de entrada; é um caminho. Nada, do que se vive, é fácil! Mas facilitismos, mesmo que os façamos por amor, só tornam tudo mais difícil. E fazem com que nós e os nossos filhos passemos a ser mais incapazes de conviver com as dificuldades.

Um dia, um ortopedista, meu amigo, virou-se para mim e perguntou-me:

– Nunca te perguntaste porque é que as crianças, quando caem, fazem menos fracturas?

– (Dia inteligente para mim; note-se!) Porque ao menino e ao borracho…

– Não! Porque, como caem mais vezes, aprendem a cair.

Pois… Precisamos de “cair” para tornar fáceis as “quedas”. Ou seja, sem o difícil não se chega ao fácil. É fácil!…