Talvez seja a maior saída, o maior abandono que alguma vez se sentiu em termos de empregos: great resignation é a sua terminologia. Isto importa aos EUA e importa à Europa. Importa também, embora em menor escala, mas ainda assim verificável, a Portugal. Sobre a tendência de saída, por si só, parecem não existir grandes dúvidas.

A great resignation é aparentemente um efeito, isto é, descreve, de facto, um fenómeno de saída dos empregos por um grande número de pessoas aquando e depois de um espectro de crise. Dir-se-ia pós Covid-19 mas, na realidade, e porque a pandemia não terminou, após as vagas iniciais de Covid-19 e, como o mundo continua envolto num nevoeiro perturbador, o fenómeno estará para perdurar. Mas é bom que se reponha a verdade pois este tipo de constatações aparece, apenas, em parangonas de jornais porque, de facto, o movimento é anterior mesmo à pandemia. A crise pandémica apenas avolumou o movimento. As razões de saúde idem. Mas a questão é essencialmente, e acima de tudo, a verificação de uma questão de pertença. Ou falta de pertença dos colaboradores às empresas e organizações.

Começou a verificar-se uma consciencialização coletiva – por via de um back to basics, também promovido e ampliado pela pandemia – de que há muitas necessidades básicas ou tendencialmente mais básicas não cobertas. O contexto global de incerteza veio também contribuir para a reflexão, enfatizando uma dimensão mais humanizada a todas as componentes da vida que se descreviam: então e a família não se sobrepõe ao trabalho? Então e o projeto pessoal não se sobrepõe ao salário? Então e encontrar o amor não é mais importante do que os problemas que ando a resolver para outros? Então e as minhas amizades não são mais críticas do que os aparentes sucessos que vou tendo? Então e a minha vida pessoal não deve estar mais alinhada com os meus gostos e com aquilo em que acredito? Então e o risco pessoal que quero assumir não compensa face ao que pretendo para a minha vida? A crise, a pandemia, foram também grandes responsáveis por este movimento e espoletaram e ampliaram esta vaga de saídas.

Os registos americanos de milhares de empresas evidenciam saídas em trabalhadores tipicamente a meio das suas carreiras ou de jovens mais digitais. E evidenciam saídas em setores tecnológicos, de saúde ou de turismo, por exemplo. Por cá, na Europa como em Portugal, temos também assistido a fenómenos de drop-out deste tipo. Maus salários e baixíssimos sentidos de pertença.

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A questão que se levanta por causa deste fenómeno não é uma, mas várias. Muitas mesmo. Que passo a resumir em três, e uma conclusão, mesmo sabendo que deixo muito de fora.

Primeiro, será que todos vão conseguir subsistir impondo a sua vida pessoal e os seus gostos às rotinas e ao modus operandi das organizações? Como é óbvio, não. E não me parece que haja para aí uma vaga ou moda qualquer de nova frugalidade. O fim do mês é o fim do mês e as contas para pagar continuarão a cair.

Segundo, haverá certamente um papel chave na mudança das lideranças para atrair e reter estes talentos usando novos pensamentos paradigmáticos. Nunca foi tão decisivo e tão crítico encontrar líderes que compreendam e consigam agregar pessoas cujas necessidades básicas não estão a ser satisfeitas.

Terceiro, há uma cada vez maior necessidade de as pessoas – estas que saem e as que não saem, mas não deixam de se sentir mal nas organizações para as quais trabalham – reinventarem as suas posições e os seus trabalhos. Por isso sou grande defensor de que não serão apenas as empresas a ter de fazer trabalho de casa, mas os colaboradores terão de o fazer também se quiserem que, um dia, possa haver algum fit para aquilo que sentem como ausência de pertença.

Este é, de resto, o fenómeno que se sente na política e à porta de eleições. O que falta? Sentido de pertença. E, porque não há sentido de pertença, a abstenção será sempre alta. Diga-se o que se disser e enquanto os partidos estiverem longe das pessoas o abstencionismo será sempre o maior ganhador. Fenómeno? Sentido de pertença.

A questão parece-me clara, claríssima. O que não é fácil é resolvê-la. Há uma rotura entre empresas e pessoas. Há um divórcio entre partidos e pessoas. Há uma separação sem precedentes entre organizações, no geral, e pessoas, seres humanos e as suas necessidades básicas, em particular. E isso é, no mínimo, preocupante.

Porém, e a título conclusivo, desengane-se quem acha que isto se resolve batendo com a porta – tout court – ou não votando – pela abstenção. A resolução vem precisamente pelo lado oposto ou passaremos uma vida inteira a queixarmo-nos do nosso propósito. É precisamente por dentro, e procurando mudar as organizações, que se deve encontrar o propósito e não o contrário, batendo a porta ou não votando. E enquanto não houver um sentido realista para estas vagas e modas os fenómenos continuarão a verificar-se. Mas são insustentáveis no médio-longo prazo.