A par do resto da sociedade, os municípios enfrentaram mudanças sem precedentes durante o curso do ano de 2020 e neste início de 2021. Na verdade, mais do que nunca, os municípios estão sob pressão para garantir que os serviços continuem a funcionar eficazmente no cenário em que vivemos, que muda continuamente, assim como as prioridades dos cidadãos. Manter um contacto próximo com as suas comunidades é uma parte vital no atual contexto, mas tem que se questionar se os municípios estão preparados para lidar com um mundo mais digital e com a exigência dos cidadãos.

A forma de estar e de atuar de grande parte das autarquias locais permanece inalterada há muitos anos e assenta em modelos de gestão do poder que são difíceis de mudar e muitas vezes pouco claros. Além disso, muitos decisores municipais recorrem à velha maneira de fazer as coisas – promessas que não pretendem cumprir e/ou quase coações a este ou àquele eleitor, a esta ou àquela instituição – para fazerem valer as suas posições junto da comunidade, com vista, unicamente, à manutenção do poder pelo poder.

Mas o futuro das comunidades e dos governos locais reside em projetos que colocam as pessoas, e não os decisores, em primeiro lugar.

Isto significa que o modelo de gestão deve ser repensado, tendo em consideração o que as comunidades realmente desejam e de que forma podemos pensar e projetar sistemas para melhor atender às suas necessidades.

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Em todos os setores da atividade municipal, nomeadamente na saúde, que é cada vez mais importante na ação autárquica, na educação, nos transportes, no desenvolvimento económico, planeamento urbano, construção, entre outras, é necessária uma mudança de pensamento. Mas estas alterações devem ocorrer com sistemas que colocam os cidadãos no centro das decisões (por oposição aos decisores ou às máquinas administrativas) e precisam de verdadeiras equipas de liderança, com abordagens perante o serviço público e os munícipes radicalmente diferentes. Carecemos de decisões e de verdadeiros líderes para implementar as novas exigências. Isto significa abraçar a mudança em larga escala, desde a forma como a liderança toma decisões estratégicas até à forma como as equipas pensam, criam e fornecem serviços. Precisamos de autarquias que invistam menos no betão das infraestruturas e equipamentos (embora seja necessário, ainda, em alguns municípios) e mais na “massa crítica do cidadão”.

Precisamos de líderes que percebam, de uma vez por todas, que o maior desafio da sua governação é a felicidade e o bem-estar das pessoas. Promotores de modelos de governança em rede e de políticas que atendam à evolução demográfica na sua comunidade. Apostem nos atributos distintivos do seu território para o promover e fazer progredir. Dinamizem e valorizem os recursos endógenos para fortalecer a economia local, sempre que possível de forma sustentável e circular, onde todos ganham. Criem modelos harmoniosos de urbanismo face à mobilidade e ao usufruto dos cidadãos, considerando o garante da qualidade de vida dos seus habitantes e visitantes.

E o cidadão, cada vez mais escolarizado e consciente da(s) realidade(s) que o envolve, deverá ser um participante na cocriação das políticas de desenvolvimento do seu território. Afinal, é para “ele” que a política deve ser feita. Líderes que afastam ou desaproveitam as mais valias dos seus cidadãos, empresas e instituições, que não aproveitam a revolução digital para diminuir custos e melhorar os serviços e que, em vez de apostar na sustentabilidade (económica, social e ambiental) fazem o seu contrário, não terão futuro, porque os cidadãos do futuro não o perdoarão.

Cada vez mais, o autarca tem que ser um verdadeiro agente de diplomacia económica, capaz de dar visibilidade e escala ao seu concelho. Ser um catalisador da criação de valor acrescentado e um estímulo à iniciativa privada e à inovação com vista à geração de riqueza e emprego, contribuindo para o bem-estar das populações.

Vivemos, acredito, o tempo do “poder local 3.0”: se, numa primeira fase da democracia, o poder local foi essencial para dotar os territórios de infraestruturas, numa segunda fase foi essencial para dotar os municípios de equipamentos, acredito que esta é a hora de se abrir um novo paradigma de modernização, de simplicidade e de transparência. Chegou a hora do cidadão, da cooperação e da intermunicipalidade. Chegou o tempo da adoção de estratégias concertadas a nível supramunicipal e regional.

O tempo em que os municípios e os gestores locais viviam sobre si mesmos, quase como num feudo medieval, imutável, dominado politicamente, fechado, sem visão de mundo e em que o autarca era uma espécie de semideus, onde a sua ação impera(va) para controlo da vida interna do concelho, está esgotado.

Os cidadãos estão cada vez mais exigentes, e ainda bem!