No PS, como no PSD, o poder unifica. Daí que não surpreenda que o Congresso do PS tenha sido uma cuidadosa encenação mediática com um guião bem ensaiado e poucos momentos dissonantes. A notável habilidade táctica de António Costa transformou uma derrota eleitoral histórica numa estrondosa vitória política, pelo menos do ponto de vista da reconquista do poder e do controlo do aparelho de Estado pelo PS. Tanto o discurso de Costa como a globalidade do Congresso do PS devem ser lidos à luz da necessidade de justificar, legitimar e promover a “geringonça” que daí resultou.

A legitimação da “geringonça” por via do que possibilitou em circunstâncias muito adversas – o regresso do PS à liderança de um Governo depois de uma pesada derrota eleitoral – não deve ser desvalorizada. A vitalidade de um partido como o PS depende do seu regresso cíclico ao poder, com a correspondente possibilidade de distribuir cargos e benefícios. Depois das dificuldades motivadas pela bancarrota de 2011, ficar numa posição subalterna face a Passos Coelho e ter de dividir cargos com PSD e CDS seria muito pouco. E ficar mais quatro anos fora do Governo seria dificilmente sustentável para o aparelho do PS. Daí que a ruptura radical com a matriz identitária do PS na democracia portuguesa e com quatro décadas de tradição do “arco da governação” tenha sido aceite com relativamente pouca contestação interna no partido.

Mas ainda que poucos se arrisquem a verbalizá-lo publicamente no actual contexto – as críticas leais e frontais de Francisco Assis ficam como o momento alto deste Congresso do PS – muitos estarão conscientes de que esta é uma estratégia perigosa a médio e longo prazo. Por via da “geringonça”, o PS perde o principal argumento de quatro décadas para fundamentar o voto útil à esquerda. Pior: perde esse argumento depois de um mau resultado eleitoral.

De agora em diante, BE e PCP podem credivelmente apelar ao voto com o objectivo de empurrar um futuro Governo ainda mais para a esquerda, ao mesmo tempo que o eleitorado moderado passa a ter a certeza que votar PS serve para viabilizar o acesso da extrema-esquerda ao poder. A entrega de sectores estratégicos como os transportes e a educação à extrema-esquerda aí estão para o demonstrar. Neste contexto, a ovação dos congressistas ao ministro da Educação por concretizar objectivos de longa data de Mário Nogueira, do PCP e do BE é sintomática. No Congresso da “geringonça”, a marca da radicalização à esquerda do PS esteve assim bem presente, confirmando uma estratégia de alto risco para o partido e para o país.

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