Vivemos num balanço constante entre a ordem e o caos. A ordem tem subjacente o controlo, a segurança e o lógico (que serve de base ao racional). Por sua vez, o caos tem subjacente a liberdade, a flexibilidade e o ilógico (que serve de base ao irracional).

Com o passar do tempo passámos de tribos de alguns elementos, a pequenas vilas a gigantescas metrópoles até chegarmos a países com várias centenas de milhões de habitantes. Com a co-existência vem a competição e colaboração e para isso é necessária organização e quanto maior é a estrutura, mais complexa terá que ser a organização, ou seja, maior o nível de ordem.

Ordem traz previsibilidade, que por sua vez traz segurança, aumentando assim a nossa tolerância à co-existência, ou seja, a co-habitarmos com mais pessoas.

Para nós, a ordem é representada em leis, convenções sociais e tradições. Ligado ao nosso instinto, temos uma urgência de controlo – fazemos isso com quase tudo, desde o clima às emoções e temos prosperado (pelo menos do ponto de vista biológico) desta forma.

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Assim, tudo o que contraria a ordem é visto como negativo porque parece uma ameaça. Em teoria, olhamos para o caos como uma doença, como algo negativo. Mas será mesmo? Onde está o limite?

Em “Admirável Mundo Novo”, a distopia do Aldous Huxley, é nos colocado exactamente o mesmo paradigma, até onde estamos dispostos a ir pela ordem? O que estamos dispostos a abdicar pela segurança?

Há uma semana o departamento policial da Carolina do Norte pediu à Google para lhes passar informação sobre todos os smartphones próximos de uma cena de crime. Os dados seriam anónimos para uma primeira triagem e depois de identificados potenciais suspeitos, seriam providenciados dados mais detalhados, mesmo sem o consentimento das pessoas em questão. Hoje em dia há uma tendência crescente para haver casos como este onde a privacidade e liberdade individual são postas em causa em nome da ordem e da segurança. É o processo natural, se podemos evitar que algo de mal aconteça, como não o fazer?

Consequentemente, para integrarmos as crianças na sociedade é necessário ensinar ordem, e isso começa desde muito novos na escola. A educação dá-nos a estrutura para nos integrarmos coerentemente na ordem. Ganhamos competências técnicas e exploramos o nosso lado social, essencial na co-existência.

No entanto, cada vez mais, ouvimos constantemente expressões como “temos que pensar fora da caixa”, que significa exactamente, temos que nos abstrair da ordem. A minha educação foi marcada por me pedirem constantemente que inove, por me pedirem para explorar o caos, mas todos os parâmetros de avaliação eram fixos e facilmente menosprezavam o que fosse um pouco diferente do habitual, reduzindo ao mínimo o espaço para inovar.

Ou seja, pediam-me para pensar fora da caixa, mas para não pensar muito fora da caixa porque senão a avaliação irá prejudicar-me. Senti-me sempre, no mínimo, confuso.

Ao mesmo tempo, parece que todas as personalidades inovadoras, o foram porque de alguma forma conseguiram quebrar a ordem. Porque conseguiram fazer exactamente o oposto do que era normal. Indo um pouco mais longe, diria até que quase todos os grandes inovadores dos últimos séculos (aqueles que desafiaram grandemente a ordem) foram, em algum ponto da sua vida, considerados loucos e menosprezados. Mas então qual a diferença entre inovação disruptiva e loucura?

A mais famosa obra de Erasmo de Roterdão, “O Elogio da Loucura”, do qual o título do artigo é inspirado, foi uma obra polémica porque pode ser interpretada de muitas maneiras distintas e extremas, no entanto a obra esconde uma mensagem mais subtil. É esta obra um símbolo da irracionalidade ou será antes, na sua forma mais íntima, um paradigma do racional? Ou será antes, um desafio ao controlo e à ordem?

A ordem é essencial para vivermos da forma que vivemos. Seria pouco sensato afirmar o contrário, mas ao levá-la ao extremo podemos estar a dar cabo da criatividade, da invenção, do potencial individual de cada um. Assim como, o caos levado ao extremo, se torna destrutivo com consequências nefastas.

Portanto, se a inovação radical, as ideias disruptivas e o génio da criatividade estão para além da ordem, como balançamos o caos e a ordem? Que tal um caos ordenado? Que tal um estímulo do acaso e do ambíguo controlado?

Provavelmente nunca descobriremos uma resposta certa, mas acredito que há uma forma de chegarmos mais perto. Hoje, talvez mais do que em qualquer outro período, devido à velocidade do mundo, a filosofia e o pensamento crítico deviam estar embrenhados no tecido social e nas empresas pois talvez sejam a única forma de questionarmos a ordem sem cairmos no extremo oposto do caos.

Autores como Christian Busch, aclamado líder empresarial e fundador da rede Sandbox advoca a introdução da “arte do acaso” como disciplina de elevado potencial de criação de riqueza. Talvez seja uma opção.

Temos é que começar.

João Duarte é fundador da empresa social menos. A curiosidade levou-o a ter experiências profissionais em startups, aceleradoras, empresas sociais e investidores de impacto em 5 países de 2 continentes, sempre com o objectivo de encontrar a forma mais simples de resolver os problemas sociais mais complexos. Juntou-se aos Shapers em 2018.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.