A ONU é um prestigiado organismo à espera da III Guerra Mundial para decidir quem são os novos membros inamovíveis do Conselho de Segurança.

Tem inúmeras agências, entre especializadas e para administração de fundos e programas. Das primeiras (aliás autónomas, o chapéu da ONU é um rótulo) as mais conhecidas são a Organização Mundial de Saúde, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Unesco, e das segundas a UNICEF e o IPCC, este último também sob a égide da WMO, especializado na aterrorização da opinião pública com a trágica perspectiva de morrermos ou assados ou afogados. O Secretário-Geral nutre por este particular carinho, razão pela qual há uns anos apareceu na capa da Time com um fato de excelente corte mas com água pelas canelas, assim como recebeu a miraculada Greta Thunberg, que foi à ONU joanad’arcar os crentes nas maluqueiras que lhe povoam a cabeça adolescente.

Toda esta nebulosa é razoavelmente opaca e consome incontáveis milhões. Há uns anos falava-se de reformas, a ver se se punha um freio na crescente necessidade de fundos para financiar o monstro das mil cabeças burocráticas, mas a tarefa, além de ciclópica, choca com o interesse dos países membros, invariavelmente a favor de mudanças desde que os outros paguem mais, e cada um menos.

De todo o modo, Guterres nunca seria a pessoa indicada para semelhante tarefa, por ter o dinamismo de uma preguiça, a determinação de um catavento e a visão de uma toupeira. O homem chegou ao lugar que ocupa por se imaginar ter o perfil certo para a função: natural de um país exemplarmente democrático, pacífico e ordeiro, que não faz sombra a ninguém, experiente nas trincas e mincas da burocracia internacional, de convicções saudavelmente de esquerda moderada, católico mas tolerante, flexível, terceiro-mundista quanto baste, e dono do respeito instintivo que lhe merecem, e acha que devem merecer, burocracias em geral, e supranacionais em particular.

Esperava-se que não fizesse ondas. O Secretário-Geral tem ainda menos poderes reais que a Assembleia-Geral, a qual funciona segundo o curioso princípio de as suas votações democráticas resultarem de maiorias constituídas por países que de democráticos têm nada. Se algum país considerar que o seu interesse nacional é ferido por deliberações daquele prestigiado órgão, ignora-as e pronto – foi o caso, muitas vezes, de Israel.

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O bom do Guterres, porém, descobriu uma bandeira, a das alterações climáticas, e agarra-se a ela com fervor: em Julho passado avisava, o cenho carregado de aflição, que o mundo já estava em ebulição. O qual mundo ficou imperturbável, salvo as organizações malagrídicas, que aproveitaram a boleia para pedir mais fundos e pedras para atirar às montras dos estabelecimentos, os governos que pretendem cobrar mais impostos verdes, as empresas que investem em produtos e actividades “protectoras” do ambiente, alguns partidos políticos que pretendem fazer passar o seu anseio pelo igualitarismo demente à boleia do clima, e os jornalistas que vivem de vender notícias de homens que mordem em cães.

Estava bem assim porque a ONU, imenso coio de inúteis, areópago de hipocrisias, sorvedouro de fundos, é indispensável por ser o lugar onde toda a gente fala com toda a gente e apalpa o pulso do mundo. Isto pode evitar desentendimentos e guerras, e do cortejo de agências são indispensáveis umas, e é provável que as outras façam mais bem do que mal.

Do que não se esperava era que na guerra Israel/Hamas Guterres tomasse partido. E embora o próprio se esfalfe por explicar que não disse o que disse (“It is important to also recognize the attacks by Hamas did not happen in a vacuum. The Palestinian people have been subjected to 56 years of suffocating occupation”), e por todo o lado haja gente, incluindo entre nós o inevitável Marcelo, que finge que não percebe, por estúpido paroquialismo, o que ele realmente quis dizer, conviria que os fingidores, os ingénuos, os interesseiros e os hipócritas não nos tomassem por parvos:

Não há nem nunca houve um atentado terrorista que nascesse do vácuo. Do ponto de vista dos perpetradores há sempre razões. E portanto Guterres, ao enunciar o óbvio, não é o óbvio que está a enunciar mas sim a sua simpatia pelo Hamas. Como se percebe quando só podemos concluir que, face ao ataque terrorista, ele provavelmente entende que Israel se devia defender não com armas mas apresentando um protesto na ONU (e comprar a libertação dos reféns, como já fez no passado e talvez tenha de fazer agora, com a libertação de terroristas presos). O secretário-geral da Liga Árabe, esse, percebeu perfeitamente, e estou certo que os aiatolas também.

A ONU é uma organização de Estados, não de movimentos ou ONG’s, e um diplomata não lança achas para a fogueira quando o seu papel é ajudar a extinguir incêndios. Guterres foi o nosso PM do pântano. Nunca devia dele ter saído para nos envergonhar colocando-se ao lado de terroristas.

Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.