Pensamos que lá fora é que é bom. Lá fora é que tudo acontece. E esquecemo-nos de olhar para o que se passa mesmo debaixo do nosso nariz. Do resto do mundo chegava música das janelas, aplausos e hinos que aos poucos foram esmorecendo. Em Portugal mantinha-se viva a esperança entre gargalhadas e copos de vinho. Durante 2 meses cerca de 60 mil pessoas estiveram juntas todos os dias com o @corpodormente a comandar as hostes. E por duas horas o bicho ficava para 2.º plano e por uns momentos éramos nós os vencedores.

É difícil de explicar a quem não viu o que lá se passou. Se estivesse no ar decerto tinha dupla bolinha vermelha. Não apropriado para os mais velhos e mais novos, suscetível de ferir muitas sensibilidades. No entanto, o “Como é que o bicho mexe?” fica renhido com os dois grandes deste país: o futebol e a religião. Para muitos tornou-se um farol de salvação, companhia diária nas noites difíceis em que as preocupações eram muitas e o sono teimava em não vir.

Sabíamos que a quarentena não podia durar para sempre. Esse dia parecia não chegar, até que chegou. Começava a “nova normalidade” munida de máscara, desinfetante e distância. Não era bem como a imaginávamos, mas agora cabe-nos adaptar. E o desconhecido mete medo a qualquer bicho careta (exceto a este). Assim, devíamos rebentar a bolha na qual estivemos embrenhados, vivendo entre a ficção e a realidade e enfrentá-la.

Não acredito que num país senão Portugal isto seria possível. Um país de pessoas abnegadas que com humildade sabem baixar a cabeça e fazer o que é preciso; mas que no fim a levantam orgulhosos. Assim numa noite de Maio, depois de um dia cinzento, os portugueses puseram luzes na janela e celebraram o fim de uma bonita etapa.

Pegar em carvão e torná-lo num diamante em bruto é obra de mestre. É obra do Bruno Nogueira e de tantos outros artistas, que pegaram num período tão negro e o tornaram tão bonito. Mostraram que a solidariedade ainda é coisa do século XXI. E que em Portugal também há coisas que valem a pena (e muito). Pode não se achar graça ou nem se perceber o conceito, no entanto reunir 170 mil portugueses há poucos que o fazem.

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