O título pode parecer pretensioso. Ser visto como se reclamasse ter alguma coisa a ver com o 25 de Abril de 1974. Importa, por isso, deixar claro que o título tem apenas a ver como a forma como vejo esse dia. Uma interpretação dupla, uma vez que a análise do académico não coincide com a avaliação feita pelo cidadão.

Assim, para o mancebo acabado de ser aprovado na inspeção militar, o 25 de Abril soou a libertação pessoal. Até então, qualquer estudante de 19 anos de idade e com o 7.º ano do Liceu concluído já sabia o que esperar nos três ou quatro anos seguintes. Mafra surgia como o destino certo e, uma vez completado o curso militar, o aspirante iria participar na preparação de quem o acompanharia na comissão num dos três cenários de guerra: Guiné-Bissau, Angola ou Moçambique.

Na metrópole, ficava aquilo que o conflito bélico não permitia desfrutar: a companhia da família, a namorada, os amigos, a esperança de emprego e tudo o mais que deveria fazer parte da vida de um jovem forçado a ser militar quando os seus anseios eram de outro âmbito. Uma juventude de sonhos adiados. Alguns, sine die.

Face ao exposto, não parece necessário dizer mais nada sobre a felicidade pessoal com que vivi o 25 de Abril. É claro que também havia a questão da liberdade, mas o egoísmo falou mais alto.

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Anos mais tarde, enquanto estudioso, tive tempo para me debruçar sobre o 25 de Abril no Mestrado, no Doutoramento e, ainda que de forma indireta, na Agregação. As investigações efetuadas levaram-me a uma visão diferente – e obviamente mais científica e menos passional – do fenómeno.

Entendi que falar de militares não era o mesmo que mencionar o MFA ou o Movimento dos Capitães. Percebi o descontentamento dos oficiais provenientes da Academia quando entrou em vigor o Decreto-Lei 353/73 que os prejudicou face aos milicianos. Passei a perceber a razão de os militares terem derrubado um regime que tinham ajudado a edificar. Por motivos corporativos, mas também porque perceberam que o Estado Novo insistia numa solução militar para um problema que só poderia ser resolvido na esfera política. Encontrei explicação para o facto de um movimento idealizado e levado a cabo por oficiais de baixa patente se ter socorrido de oficias de alta patente como garantia de reconhecimento oficial.

Como é lógico, também anotei que não era apenas eu a ter uma visão própria do 25 de Abril. Na verdade, nem todos os militares tinham a mesma ideia do objetivo a alcançar e do caminho a seguir. Aliás, o mesmo se passava com os partidos entretanto formados. Os cravos vermelhos do PCP nada tinham a ver com o rosa do PS, o laranja do PPD e o azul do CDS.

O dia seguinte não foi fácil. O FMI foi chamado por Mário Soares duas vezes a Portugal para evitar a bancarrota. Foi numa conjuntura revolucionária de quase anarquia e com o Poder nas ruas que Portugal evitou a tentativa de sovietização do país, fechou os ouvidos às propostas maoistas, descolonizou, ainda que apressada e incompletamente, e acolheu muitas centenas de milhares de retornados e pseudo-retornados, antes de bater à porta da Comunidade Europeia. Uma porta que, felizmente, se abriu.

O 25 de Abril valeu a pena? Fernando Pessoa disse que tudo vale a pena se a alma não é pequena. Por isso, o realismo adquirido nos anos de investigação pode ter moderado o entusiasmo com que o mancebo viveu o acontecimento, mas está longe de pôr em causa o 25 de Abril de 1974. Sobretudo por tudo aquilo que veio a significar quando a poeira revolucionária poisou e Portugal começou a acertar o relógio pelos ponteiros da História.