A entrega da declaração de IRS representa um alívio para grande parte dos contribuintes sujeitos a esta obrigação, na medida em que este acerto de contas entre o cidadão e o Estado simboliza, na maior parte dos casos, um reembolso. O que fazem os portugueses com o reembolso? Pagam dívidas, liquidam o IUC, o IMI, arranjam o carro, “limpam” o cartão de crédito, marcam férias, fazem obras ou compram o telemóvel que os filhos tanto anseiam. Este reembolso é tendencialmente creditado nas contas da dita classe média que é precisamente aquela que paga (mais) impostos e que contribui para a economia.

O Orçamento do Estado 2023 introduziu uma “novidade”: as novas tabelas de retenção para trabalhadores por conta de outrem (e pensionistas) a partir de 1 de julho de 2023. Esta lógica de taxa marginal é efetuada através da conjugação da aplicação de uma taxa sobre o rendimento mensal com a dedução de uma parcela a abater, à semelhança do que acontece na liquidação anual do imposto. O novo modelo de tabelas de retenção na fonte prevê também a inclusão de uma parcela a abater por dependente, de valor fixo, em linha com o previsto no Código do IRS, substituindo o atual sistema de redução de taxas consoante o número de dependentes.

Esta maravilhosa “novidade” parece fantástica até porque o tema impostos em Portugal é antigo e transversal a partidos e grupos económicos. Todos sabemos que somos agraciados há anos com uma das cargas fiscais mais elevadas da Europa. No entanto, nada disto é “fantástico” para os incautos. É preciso perceber aquilo que o Governo não diz.

Vamos aos exemplos práticos: Um trabalhador que seja solteiro, separado ou divorciado, com dois dependentes e aufira um salário bruto de €1500, em termos práticos recebe €1150,50 líquidos ao final do mês. A partir de 1 de julho, ou seja, no final deste mês e com esta extraordinária medida do nosso Governo, vai descontar menos e receber mais: €1174,45. Feitas as contas, são €23,95 a mais entre julho e dezembro que podem representar uma dor de cabeça no IRS de 2024.

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As retenções na fonte não alteram o rendimento anual, ou seja, se a retenção for maior, o valor líquido a receber é menor. Com estas taxas marginais, o rendimento mensal poderá ser ligeiramente mais elevado (ou simplesmente residual) porque a taxa de retenção mensal é menor.

Os portugueses que gostam de “pagar agora para receber depois”, estão habituados ao reembolso do IRS que na prática se traduz numa devolução de um valor que não era exigível.

Se em 2023 proliferaram inquietações com reembolsos de valores inferiores aos expectáveis, vamos pensar em 2024: é certo e seguro que a larga maioria dos reembolsos vai ser muitíssimo menor e em muitos casos, os contribuintes vão ser agraciados com notas de liquidação que dizem “A pagar”.

É preciso ter cuidado com estas migalhas deixadas pelo caminho porque entre as taxas Euribor, a inflação que não dá tréguas, o aumento do custo de vida, todos os euros ajudam a compor orçamentos familiares por si só difíceis. No entanto, é necessário muito cuidado com este pão mal amassado que nos foi imposto, sem ter sido explicado aos contribuintes o real impacto, pode gerar amargos de boca.