1 Mergulhado numa guerra civil política total da qual dificilmente sairá um vencedor, o PP espanhol está a ser vítima de um político medíocre, acossado e medroso chamado Pablo Casado. Com medo da estrela política ascendente de Isabel Ayuso, a direção de Casado tentou usar uma empresa municipal para contratar num ato de desespero um detetive particular para investigar o pagamento de alegadas comissões a um irmão da presidente popular do governo regional da Comunidade de Madrid pela adjudicação de um contrato para a compra de máscaras cirúrgicas.
Ou seja, a direção nacional do PP tentou destruir um dos seus próprios ativos políticos apenas e só para eliminar um potencial rival interno de Pablo Casado. Eis um autêntico manual de utilização de como destruir ou descredibilizar um partido em menos de 48 horas.
Ao lermos as notícias que nos chegam de Madrid, as lutas internas fratricidas do CDS vêm imediatamente à memória. Mas a tragicomédia de cariz venezuelano prepara-se para entrar também em cena no PSD. Não com o grau de dramatismo do PP espanhol e do CDS mas o caldo em que o PSD está mergulhar pode levar a prazo a divisões estruturais entre os social-democratas.
2 Quando escrevi na semana passada que o PSD estava a atravessar o pior momento da sua história não o fiz de ânimo leve. Os acontecimentos do último Conselho Nacional só reforçaram a minha convicção.
Ao teimar em não apresentar formalmente a sua demissão, Rui Rio está a mostrar o respeito que tem pelos resultados eleitorais: pouco ou nenhum. Como é possível que um perdedor, um verdadeiro perdedor que perdeu duas vezes consecutivas eleições legislativas, que perdeu todas as eleições nacionais desde que assumiu as funções como líder do PSD, ainda tem a lata de dizer que bateu “o recorde nacional de tempo como líder de oposição. Não há ninguém que tenha resistido quatro anos na liderança da oposição”?
Será que o seu autismo político chega ao ponto de não entender que tal “recorde” é a certificação oficial de que é um loser — um adjetivo que não se coaduna com a liderança do PSD?
Além de perdedor, Rui Rio tem mau perder — um defeito terrível para quem se diz democrata. Tal como sempre considerou os debates quinzenais uma grande chatice para a democracia, Rio também considera que a luta legítima e política entre os seus potenciais sucessores é o equivalente a vários “tumultos” e à “degradação da imagem” do PSD “na praça pública.”
A minha dúvida principal sobre Rui Rio é simples: como é que alguém pode querer tanto mal ao seu próprio partido? Rio não anda a contratar detetives particulares para investigar os familiares dos seus adversários internos mas anda claramente a destruir a credibilidade que o PSD sempre teve na sociedade portuguesa.
3 O PSD tem de resolver o seu problema de liderança nos próximos 60 dias por várias razões. Em primeiro lugar, Rio não tem qualquer legitimidade política para prosseguir o seu mandado, nem nada pode oferecer ao partido. Ele próprio reconhece que nunca fará nada de diferente do que já fez. Ora, a sua estratégia de um PSD ao centro foi copiosamente derrotada nas urnas.
Por outro lado, quanto mais tempo Rio se mantiver como líder, mais protagonismo o Chega e a Iniciativa Liberal terão perante um líder da oposição completamente descredibilizado. Por exemplo, já está praticamente certo que os debates quinzenais (nos quais Rio não vê vantagens) vão regressar. Com que moral participará Rio em debates que, segundo o próprio, não têm qualquer utilidade?
Se Rui Rio anunciou logo na noite das eleições que sairia, porque razão continua a protagonizar esta autêntica ópera bufa? Porque quer condicionar os candidatos à sua sucessão de tal forma que, no máximo, até parece que ainda se julga com condições políticas para levar o seu mandato de dois anos até ao fim.
Quem o venera como os pobres de cristo veneram os chefes das seitas, certamente que acreditará caninamente nas suas promessas: de que está a agir em nome do superior interesse do partido, blá, blá, blá. O habitual no homem mais sério que alguma vez viveu no planeta Terra…
Insisto numa ideia que já escrevi aqui no dia seguinte às eleições: parece que Rio quer uma espécie de vaga de fundo que o leve a cumprir o mandato de dois anos até ao fim. Mais do que um recorde nacional como líder da oposição, o homem quer entrar para o Guinness Book of Records.
Como dizia José Eduardo Martins no Facebook com graça: “Rui Rio 2030! Vamos lá, todos juntos!”
4 Como não acredito que Rui Rio deseje tanto mal ao PSD para insistir na sua permanência à frente do partido contra toda a lógica política, só posso acreditar que ainda tem objetivos políticos a cumprir. O primeiro passa necessariamente por lugares que queira preencher com apaniguados seus. Seja no partido ou no grupo parlamentar, seja nos órgãos do Estado (como o Conselho de Estado, o conselho de administração do Banco de Portugal e outros).
O segundo é muito mais problemático e tem a ver com a aprovação e a execução da regionalização — um projeto que Rui Rio pode ter a tentação de acordar com António Costa e deixar ao país como a sua herança política. A hipótese já foi levantada por Miguel Relvas na CNN Portugal e está a ganhar consistência.
Uma vez mais, e se avançar com essa ideia, Rio colocará o PSD numa situação muito delicada. A regionalização é um projeto que divide os social-democratas (e a sociedade portuguesa), logo qualquer acordo com o PS de António Costa (e logo com maioria absoluta) tem de ser analisado e discutido em profundidade e com tempo pelos órgãos do partido. Muito mais quando a direção nacional do PSD está ferida de legitimidade política.
Acresce a tudo isto que o PSD, então liderado por Marcelo Rebelo de Sousa, foi o maior opositor da regionalização proposta em 1998 pelo Governo e levou os seus argumentos a bom porto com a vitória no referendo de 8 de novembro de 1998. Logo, há um capital político histórico que o PSD não pode desperdiçar.
5 É verdade que os possíveis candidatos não podem dar um passo em falso, avançando com uma candidatura cedo demais, quando será o presidente do PSD que terá prerrogativa de marcar as eleições diretas, formalizando a sua demissão. O tacticismo, contudo, não pode imperar até ao infinito e mais além.
Rui Rio tem de sair já. Cabe a Luís Montenegro, Miguel Pinto da Luz e a outros chegarem a um acordo para oferecerem uma saída honrosa ao ainda presidente do PSD.
Quanto a si, Rui Rio, faça um favor ao PSD: desampare a loja, se faz favor! O país precisa desesperadamente de um líder da oposição credível e devidamente legitimado politicamente. E esse líder não é o senhor.
PS — Para quem aprecia política e comunicação, recomendo a visualização na íntegra da comunicação de Isabel Ayuso sobre o caso que envolveu o seu irmão. Não só falou abertamente do caso, como foi muito eficiente nas mensagens que quis passar e no tom que usou. Uma política pura que fez do ataque a sua melhor defesa.
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