O grupo dos deputados “não inscritos” – eleitos nas listas do PS em representação do radicalismo mais fanático – levou a debate na Assembleia Municipal de Lisboa uma recomendação para “promover a cultura e história da comunidade cigana”. Vinham armados de ONU, bandeira cigana, hino cigano, e Dia Internacional da Pessoa Cigana. O que não traziam era vestígio de conhecimento sobre “cultura” ou “história cigana”; se trouxessem, sabiam que não existe uma “cultura cigana”, existem várias. Basta ver cinema. Emir Kusturia, quase todos; Guy Richie, com Snatch – Porcos e Diamantes; Carlos Saura, com Flamenco; ou Etienne Comar com Django, de 2017, sobre a vida e a música do extraordinário Django Reinhardt. Todos eles mostram comunidades ciganas, diferentes umas das outras.

O documento era racista. Postulava a seguinte lógica: quem não vê as coisas como estes deputados, é “contra os ciganos”; obviamente, “fomenta preconceitos” e comete o crime de “racismo” (sic). Sucede que o racismo é um preconceito formado a partir de uma distinção de raça. Os digníssimos deputados que assinaram aquele pedaço de acusação consideram que os ciganos são uma raça. Ou seja, o racismo mora ali, nas cabeças dos autores do documento. Mais um motivo para defender a liberdade de expressão, verbal ou escrita: todas as ideias devem ser expressas, sobretudo as piores, até para serem combatidas. É bom saber-se onde elas estão. Nenhum partido da direita portuguesa aceita a existência de raças. Mas elas existem na retórica, e portanto, nas cabeças, dos representantes da esquerda.

Convinha que a direita compreendesse bem este ponto: não somos obrigados a aceitar os pressupostos nem os termos da esquerda. Todos os assuntos podem e devem ser discutidos, sim, mas nos nossos próprios termos. Quem não sabe definir os termos de uma discussão, não sabe pensar sobre aquele assunto e dificilmente discute seja que assunto for. No momento em que a direita aceita os termos da esquerda, já perdeu o debate. É uma regra sem excepção. Como se viu aqui, neste assunto dos ciganos, assente no maniqueísmo: ou a direita concorda com a visão identitária da esquerda, ou é liminarmente culpada de “racismo”. A esquerda já não se limita a impor os seus argumentos, também precisa de criminalizar os adversários. De resto, mostrou mais uma vez esta sua prepotência na reacção crapulosa aos cartazes na manifestação dos professores. “Racismo” é tudo o que o PS decidir, em cada momento, e de acordo com a conveniência do PS. No fundo, “racismo” é, a partir de agora, toda a dissidência e toda a crítica ao comportamento do PS.

Por último, não se chegou a saber qual era a parte da “cultura cigana” que estes deputados querem promover. No papel que apresentaram não se deram ao trabalho de nos informar. Mas nós sabemos que a esquerda gosta de promover estereótipos, basta olhar para as marchas do “orgulho gay”. De maneira que podemos imaginar. É viverem nos acampamentos, sem privacidade, sem protecção do frio ou calor, sem condições de higiene? É casarem as miúdas, aos treze ou catorze anos, com os tios e os primos adultos? É levantarem as crianças, às cinco horas da manhã, para vender camisolas na feira? É abandonarem a escolaridade obrigatória?, como a miúda de Avis, a quem um tribunal português dispensou de estudar para ir “realizar-se” de acordo com “as tradições” e “a cultura do seu povo”, pelo expediente libertador de “ajudar a mãe nas tarefas domésticas”?

Peço licença para discordar. Isto não é “cultura”, é miséria. Seria como apontar aquelas comunidades operárias ou agrícolas do Portugal da década de 1950, de pessoas pobres, descalças, magras e remendadas, sem escolaridade, onde as crianças trabalhavam a partir dos 10 anos, e declarar: tenhamos “orgulho”, vamos “promover a cultura portuguesa”. Sim, estamos no mesmo nível de abominação. Repito, “cultura” é outra coisa, isto é pobreza e miséria. Não deve ser promovido, deve ser combatido. Estas pessoas, os ciganos de agora, como os portugueses de 50, dispensam a humilhante “promoção”; precisam é de ser ajudadas, trazidas para a nossa sociedade, para os nossos valores, para a nossa cultura e para a nossa maneira de viver.

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