As empresas e os institutos de sondagens têm bastas razões para se sentirem confortados, não tanto por aquilo que acertam, mas pelo aumento exponencial da procura por parte dos media portugueses, confrontados com um ano eleitoral invulgar. Instalou-se um “vício” de sondagens, de barómetros e de outros instrumentos análogos, todos supostamente baseados em critérios científicos, cujos resultados são depois tratados, digamos, jornalisticamente, por vezes com alguma ligeireza, como se fossem verdades irrefutáveis.

Sucede que, analisada a ficha técnica (obrigatória), verifica-se com frequência que a amostra é suportada por escassas centenas de inquiridos, embora a margem de erro seja generosamente encolhida.

Mesmo descontando manipulações, que as há, tanto na forma como são apresentadas as perguntas aos entrevistados, como no tratamento dos resultados, o que se sabe, na maioria dos casos, é que o orçamento contratado para as sondagens é curto (até quando há custos repartidos por dois e mais parceiros) e, nesta como noutras coisas, não há milagres.

Pouco importa, porém, para alguns media, que seja esta a realidade, ao lançarem no espaço público conclusões apressadas – e, às vezes, pouco inocentes, sublinhe-se –, orientadas consoante as simpatias editoriais ou as “causas” em que algum jornalismo se deixou enfeudar.

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Lubrificada a cumplicidade, que a “bolha mediática” em regra amplifica – reforçada nas televisões por um modelo inflacionado de painéis de comentadores -, são os próprios actores políticos que acabam por interiorizar as supostas tendências do eleitorado, passando a agir em função disso.

Sucede que, consumado o voto, como tem acontecido vezes demais, os resultados apurados nas urnas não coincidem com as “certezas” dadas como adquiridas.

Aconteceu em Lisboa nas últimas autárquicas (ou, a nível nacional, nas Legislativas), embora seja justo reconhecer que, nesta matéria, o País não está sozinho, porquanto o histórico internacional é rico em monumentais fiascos nas sondagens. Estranhamente, porém, nem as empresas responsáveis se retrataram, nem a sua credibilidade ficou aparentemente abalada, como se gozassem de um estatuto parecido com o dos astrólogos, cujas previsões não merecem critica.  Não surpreendeu, por isso, que, em janeiro do ano passado, António Costa lamentasse, numa entrevista à Rádio Observador, ter sido por causa de “ilusões” das sondagens – que davam o PS em primeiro lugar destacado -, que “já se perdeu a Câmara de Lisboa”.

Vem a propósito, um livrinho publicado, em data recente, por Luís Paixão Martins – com o “picante” e a autoridade de ser há muito consultor de marketing e comunicação do governo de António Costa -, intitulado, sem recurso a filtros, “Como mentem as sondagens”.

Logo no prólogo, o autor, ex-jornalista e actual comentador da CNN, lamenta que a divulgação “dos dados das sondagens” esteja sujeita a um critério “cada vez menos qualificado, da generalidade da edição mediática, perante o qual nos habituámos a encolher os ombros  com o é jornalismo”. Sabe do que fala.

Depois, a politização das sondagens, na abordagem que vários media fazem delas, é tão óbvia, que não passa despercebida, mesmo aos mais distraídos. E tornam-se meramente instrumentais.

Mas serão as sondagens indesejáveis? Claro que não, como ferramentas de “prospecção” do eleitorado, num determinado momento, desde que sejam assentes num trabalho de campo alargado e convincente, sem sofismas, e assegurado o tratamento dos dados segundo critérios de rigor científico e de imparcialidade.

Recorde-se que, além dos media, também os partidos encomendam as suas próprias sondagens, com estruturas e amostras muito diferenciadas. Mas essas ficam habitualmente cativas, no segredo dos bastidores, excepto quando são favoráveis e convém que sejam cirurgicamente difundidas.

A verdade, contudo, é que há sondagens que nos deixam perplexos. Entre as mais recentes, houve duas com resultados, no mínimo, desconcertantes.

Numa delas, o PS apareceu com uma vantagem de nove pontos percentuais em relação ao PSD.

Mesmo admitindo que Luís Montenegro não seja o líder mais assertivo e carismático de que precisariam os social democratas, será credível que os inquiridos concedam tamanha vantagem aos socialistas, como se estes estivessem “virgens” da governação e fossem os mais desejados, apesar dos sarilhos, das prevaricações e dos fumos de corrupção em que continuam embrulhados?

Noutra sondagem, como se explica que quase metade dos inquiridos ache as investigações da “Operação Influencer” mal fundamentadas, desvalorizando as suspeitas que forçaram a demissão do primeiro ministro e a dissolução do parlamento?

É certo que tanto num caso como noutro as amostras são parcas no número de entrevistados – umas centenas – o que torna a margem de erro maior.

Mesmo assim, dá que pensar. Sem esquecer que, por acaso, a PGR e o Ministério Público serviram de “bombo da festa” no congresso socialista, que “embandeirou em arco” com a teoria da cabala…

Como perceber, ainda, que Pedro Nuno Santos apareça em vantagem para primeiro ministro, quando comparado com Luís Montenegro numa das sondagens, não obstante ter protagonizado episódios lamentáveis no governo, que o forçaram a uma  penosa humilhação pública, depois de ser desautorizado por António Costa?…

Será que os enredos em que esteve envolvido o agora líder do PS e que implicaram a sua demissão, já foram “amnistiados” e esquecidos pelo eleitorado?

No mínimo, custa a crer que os portugueses “encolham os ombros”, amnésicos, ou dispostos a favorecer o “infractor”.

Em contraponto, repare-se, por exemplo, nos resultados do Eurobarómetro, divulgados em finais de dezembro pela Comissão Europeia, com base num trabalho de campo efectuado entre outubro e novembro de 2023, cujas conclusões contrastam com os resultados obtidos nos inquéritos caseiros.

De facto, neste estudo, os portugueses revelam-se substancialmente mais pessimistas sobre a situação da economia nacional do que a média dos europeus; 80% dos inquiridos consideram a situação do País má ou muito má, colocando Portugal como o segundo país com a perspectiva mais negativa entre os 27 Estados-membros, sendo apenas superado pela Grécia (83%).

Pior: comparativamente com o estudo anterior, realizado no verão, Portugal aparece como o País da UE-27 com a maior queda na satisfação face à democracia nacional (10 pontos percentuais), acima da Espanha, Polónia e Eslovénia.

Além disso, a confiança dos portugueses nas instituições políticas, sofreu um rombo apreciável, com apenas 33% a expressar confiança no governo nacional, uma diminuição de 15 pontos percentuais face ao verão de 2023 – a maior quebra registada nos Estados-membros da UE.

Ora, a validar este o “estado de alma” do eleitorado, face ao “legado” de António Costa, será credível que nada mude no seu sentido de voto?…

Entretanto, à margem das sondagens, o que se sabe é que até 15 de janeiro, quando será formalmente dissolvida a Assembleia da República, o governo demissionário estará empenhado num contrarrelógio de eventos, glorificando o seu papel, muito à maneira de Sócrates, e prometendo “este mundo e o outro,” como se ouviu no congresso socialista.

A par do mantra das “contas certas” – para destrunfar as direitas, que não souberam responsabilizar o PS pelo descalabro a que sujeitou os portugueses -, António Costa desencantou o novo “slogan” de que “o país tem de continuar a funcionar”, para justificar a campanha eleitoral encoberta em que está empenhado.

Infelizmente, o País está a funcionar cada vez pior, com relevo para a Saúde, onde o colapso das urgências dos hospitais públicos – com tempos de espera para atendimento que já chegaram às 20 horas -, oferece uma visão deprimente e terceiro-mundista.

Talvez os indicadores de mortalidade excessiva, que têm vindo a progredir de uma forma assustadora, não sejam estranhos a este caos do SNS, uma bandeira socialista esfarrapada.

Perante um quadro sobejamente dramático, é chocante ouvir o ainda ministro de a Saúde apelar a que as pessoas façam a sua própria autoavaliação e só “recorram às urgências” se estiverem “gravemente doentes”. Uma patetice.

Por muito que o PS se esforce na propaganda pré-eleitoral, e namore os mais vulneráveis, além do funcionalismo e dos pensionistas – com aumentos, promoções de carreira ou actualizações -, nem o mapa da pobreza do País se altera por artes mágicas nem as próximas Legislativas são “favas contadas” …

O “ruído” das sondagens poderá soar a falso, ou mentir. Porém, mais tarde ou mais cedo, a “comédia de enganos”, há demasiado tempo em cena, terá os dias contados …