Não aprecio particularmente as correntes de agradecimentos destinadas a quem se limita a fazer o seu trabalho. Neste período tão difícil das nossas vidas, contamos com os professores para ensinar, da mesma forma que confiamos nos médicos para salvar vidas ou depositamos nos políticos as nossas expectativas por medidas de resposta aos desafios económicos e sociais que se levantam. Afinal, nas nossas actividades profissionais, todos temos procurado fazer o melhor possível para corresponder perante as adversidades. Mas se os agradecimentos são dispensáveis, o justo reconhecimento torna-se indispensável. É esse reconhecimento que está por detrás do ‘obrigado’. E é esse reconhecimento que, por exemplo, mobilizou milhares à janela baterem palmas para assinalar o esforço suplementar que os profissionais de saúde têm investido, com prejuízo para o seu bem-estar pessoal e familiar. Engana-se quem desvalorizar o acto como um exercício lamecha. Estes gestos podem animar as redes sociais, mas são também simbólicos: traduzem a valorização social desses profissionais. No fundo, são uma forma de dizermos, enquanto comunidade, que reconhecemos a importância do seu trabalho.

Os professores também merecem esse reconhecimento. Não digo que não o merecessem antes — acho, aliás, que têm muito menos reconhecimento social do que lhes seria devido. Mas, desde que a pandemia levou ao encerramento das escolas, o esforço que milhares de professores investiram na reformulação das suas aulas e na adaptação a tecnologias que nunca haviam utilizado foi assinalável. Sim, o ensino a distância tem inúmeras insuficiências, sobrecarrega as famílias e, infelizmente, torna a escola ainda mais difícil do que já era para os alunos com dificuldades. Mas, naquilo em que o ensino a distância em contexto de pandemia funciona, deve-o inteiramente aos professores. O #EstudoEmCasa, iniciativa de tele-escola na RTP-M, é aliás exemplo desse pequeno milagre: algo que é útil, que está bem-feito e que foi conseguido em tempo recorde, graças à entrega de dezenas de professores. É apenas justo dizê-lo: nesta hora negra, os professores têm dito presente.

Poderia ficar por aqui, mas a verdade é que há neste assunto mais do que uma mera questão de justiça. Este reconhecimento aos professores é necessário, por duas razões. Primeiro, porque os professores não se sentem reconhecidos pelo seu trabalho e isso causa dano no funcionamento do sistema educativo. Não é novidade que a classe docente em Portugal está envelhecida e, em média, desgastada e desmoralizada. Cerca de metade (47% no ano lectivo 2017/2018) dos nossos professores tem 50 ou mais anos de idade. E também não é novidade que há uma degradação da imagem dos professores na sociedade portuguesa, eventualmente por consequência das inúmeras lutas políticas e sindicais que protagonizaram. Seja por que razão for, são vários os inquéritos que mostram o quão desiludidos estão os professores e como não sentem que o seu trabalho seja socialmente valorizado. E este não é só um problema dos professores. É também um problema nosso e uma situação com a qual ninguém fica a ganhar: vários estudos confirmam que a motivação de um professor está associada a melhores desempenhos dos seus alunos. Ou seja, professores sem entusiasmo pela sua profissão perdem também alguma capacidade de ajudar os seus alunos.

Segundo, a valorização do papel dos professores é necessária porque se tornou urgente estancar a sangria na profissão — urge atrair mais jovens e os melhores das suas gerações para o ensino. A perda de prestígio social da profissão de professor, assim como a fraca competitividade da carreira, afastou muitos jovens dessa opção profissional. Não é novidade que os bons alunos não querem ser professores, mas o tema é ainda delicado de lidar — sei do que falo, porque há uns anos abordei-o de forma descautelosa e, com um título injusto, incendiei os ânimos. Mas se o perfil dos estudantes dos cursos de ensino já justificava preocupação, a diminuição da procura pelos cursos de educação veio confirmar o apelo cada vez menor dessa profissão nos mais jovens. Impõe-se uma resposta, não só das políticas públicas, mas também das famílias e das comunidades educativas. E, agora, a resposta possível é simplesmente dizer ‘obrigado’. Afinal, neste momento, reconhecer o trabalho dos professores e valorizar o seu papel social é, para além de justo, também uma forma de reforçar o seu prestígio social e, indirectamente, contribuir para a atractividade da profissão.

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