A expressão “contas certas” não existe em economia nem em política orçamental, mas como ganhou tração no nosso discurso político convém dar-lhe algum conteúdo. Portugal é ainda um país com um peso excessivo da dívida pública. Isto torna-nos particularmente vulneráveis a qualquer crise financeira internacional ou recessão na zona euro. Contas certas deve assim significar um saldo orçamental estrutural quase equilibrado que permita quer a redução do peso da dívida pública quer políticas orçamentais anti-cíclicas, ou seja, défices em períodos de recessão e excedentes orçamentais em períodos de maior crescimento. Porque os políticos e os cidadãos não cuidaram das contas certas, Portugal foi três vezes à bancarrota. Na última vez o preço a pagar foi mais pobreza, maior desemprego, cortes de salários e de pensões, despesa perdulária com juros. É importante relembrá-lo numa altura em que começou o leilão orçamental, na votação na especialidade do Orçamento de Estado, e estamos já em período eleitoral.

A história tende a repetir-se. As pressões para os aumentos salariais vêm de todo o lado. Neste momento há greves de professores, oficiais de justiça, médicos e enfermeiros. Todos reivindicam aumentos salariais entre outras coisas. Ninguém diz que quer subir impostos para financiar esses aumentos (antes pelo contrário), ou seja, na prática todos estão a favor do aumento do défice. Do outro lado da mesa está um governo demissionário e que já não tem condições para negociar. Assim está o país. E o que dizem os partidos?

Agora que se vota o Orçamento do Estado na especialidade e mais tarde na preparação dos programas eleitorais era bom que os partidos e os líderes partidários clarificassem ao que vêm no que toca às finanças públicas. Tal só aconteceu em democracia em duas ocasiões: na preparação do programa eleitoral do PS em 2014 para as eleições de 2015 e, posteriormente, antes das eleições de 2019 e 2022 o PSD. De resto e até hoje os partidos não apresentam o cenário com as contas associadas às suas medidas. Quase sempre essas medidas agravam o défice orçamental quer pela diminuição da receita quer pelo aumento da despesa. Nas inúmeras propostas de alteração ao OE que estão em votação, também não sabemos o impacto orçamental de medidas, algumas das quais com significativo impacto orçamental.

Alguns exemplos do lado da despesa. O BE apresentou, e foi rejeitada, uma valorização salarial de 15% nos trabalhadores do SNS. O PSD uma proposta de aumento da cobertura dos médicos de família. Análise de impactos orçamentais? nada! O mais paradigmático caso é, em versões diferentes, a contabilização integral do tempo de serviço de um subconjunto dos professores (apenas os do ensino básico e secundário, não os dos superior) ou numa versão mais generosa das carreiras e corpos especiais (PCP). Se esta reivindicação já vinha de trás para BE e PCP, partidos que assumidamente acham irrelevante as “contas certas” (e o seu corolário de juros baixos) e que não aprenderam nada das bancarrotas do país, temos a junção do CHEGA e do PSD.

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O PSD propõe agora a reposição faseada em cinco anos dos efeitos da contagem do tempo integral de serviço nos salários dos professores do ensino básico e secundário (PEBS). Porém, nem o PSD, nem os outros partidos sabem qual o impacto orçamental da medida. Assim, o PSD disse que iria solicitar à UTAO a análise desse impacto, algo previsto na lei de enquadramento orçamental. Acontece que tal análise é complexa e exigente e a UTAO não tem condições de a fazer atempadamente. O impacto pode ser restrito, analisando apenas os professores do ensino básico e secundário, ou mais vasto pensando no alargamento dessa medida à esmagadora maioria das outras carreiras especiais da função pública (incluindo, já agora, os também professores do ensino superior) que também sofreram os congelamentos da troika. Ao contrário das mentiras propagandeadas pelos sindicalistas Mário Nogueira e dirigentes do STOP, houve uma correspondência entre os cortes salariais dos PEBS e os cortes nas outras inúmeras carreiras avaliadas através do SIADAP, pelo que, como já tenho referido, é de elementar justiça que a haver solução para o problema o seja para todas as carreiras da função pública e não exclusiva aos PEBS. Mas em período eleitoral tudo parece valer.

A par das propostas de aumento de despesa surgem as de redução da receita. O PSD propõe reduções na receita fiscal em vários impostos: no IRS, no IRC (de 21% para 19%), no IMT em geral, e em particular no IMT pago pelos jovens. Mais longe que o PSD, e que todos os partidos, é a proposta de baixa de impostos da Iniciativa liberal (IL). A proposta de IRS é torná-lo quase um imposto proporcional, com apenas três escalões sendo o primeiro de isenção. Propõe-se também isentar de IMT quando a propriedade é adquirida para habitação própria permanente. Finalmente, numa veia marcadamente populista, propôs que as receitas da privatização da TAP fossem devolvidas aos portugueses (não saberá que a lei quadro das privatizações destina essas receitas à amortização da dívida?). O BE defende uma baixa das taxas de IMT quando a aquisição é para a habitação própria permanente (algo que não tem impacto no saldo do Estado, dado tratar-se de uma receita autárquica, que tem vindo a subir significativamente). Finalmente, temos a reversão da proposta de subida do IUC para os carros mais antigos e poluentes, neste caso e agora com o próprio beneplácito do PS em resultado da esmagadora adesão da petição pública contra esta medida.

Propostas de aumento de receita são poucas. Merece destaque a proposta do BE que propôs a tributação em sede de IRS da tributação de mais valias associadas a transações com criptomoedas à semelhança do que acontece noutros países.

Em resumo, quase todas as propostas de alteração ao OE agravam o défice orçamental embora nada saibamos sobre o seu impacto concreto (à excepção do IUC). Os partidos da oposição, mesmo sabendo que as suas propostas serão rejeitadas, por convicção ou por populismo estão já no caminho das contas incertas. Deixo para o fim o PS. O PS que conhecemos destes 8 anos de governação de António Costa foi um PS de contas certas. Isto granjeou-lhe apoio popular pois ninguém quer voltar a viver um período semelhante ao da troika. A posição de um futuro PS sem maioria absoluta depende de quem for o líder. Se for José Luís  Carneiro, apoiado por Medina, certamente que continuará a defender a importância da sustentablidade financeira do país. Se for Pedro Nuno Santos, como se perspetiva, o PS corre o sério risco de voltar ao caminho das contas incertas.

Já que não apresentam as contas agora, em sede de OE, era bom que todos os partidos apresentassem, antes das próximas eleições, um cenário macroeconómico e a quantificação das principais medidas para a legislatura. Se não o fizerem estão a pedir um cheque em branco aos portugueses.