O CDS vai para este congresso com boas perspectivas de presente e excelentes perspectivas de futuro. Este conclave vai ser a primeira volta entre os dois protagonistas mais desejados pelo Partido, as suas visões, profundamente divergentes sobre o futuro, e o rumo que deve ser seguido para alcançar esse futuro. O CDS tem, mais do que qualquer outro partido português, uma profunda atracção pelo carisma, e, gostando dos dois protagonistas actuais em simultâneo, terá de decidir, para lá do carisma, que caminho quer seguir, e com quem.

O Adolfo Mesquita Nunes e o Francisco Rodrigues dos Santos, enquanto os delfins de Paulo Portas se digladiavam em jogos florentinos, intrigas palacianas e tacticismo umbiguista, impuseram-se com a maior das naturalidades e mérito no partido. Em pouquíssimo tempo, varreram do mapa as ambições do baronato, eclipsando as putativas esperanças de há bem pouco tempo.

Em comum, o Adolfo e o Chicão, como são tratados dentro do partido, têm a cabeça muitíssimo bem arrumada, a inteligência acima da média, a honestidade intectual que não se finge e uma capacidade discursiva extraordinária. Ninguém, como o Adolfo, consegue agarrar o CDS às televisões enquanto leva sucessivamente ao tapete as Marianas Mortágua da vida. O partido sente-se naturalmente orgulhoso e regozija-se com o vencimento das suas posições. Poucos, como o Chicão, conseguirão levantar uma sala, defender com o coração aberto os valores que mais fundo calam em cada democrata-cristão. O Adolfo acabou de fazer 40 anos, a idade de ouro de Portas, e o Chicão tem a idade que Manuel Monteiro tinha quando liderou os destinos do CDS.

A separar estes dois protagonistas, está uma enorme diferença de mundividência, uma divergência clara no projecto político, duas formas profundamente distintas de agir perante a sociedade. O Adolfo é um liberal assumido, no plano económico e no plano social. Está no CDS porque o CDS é a grande casa da direita, o único sítio onde liberais e conservadores se sentem bem acolhidos e respeitados pela maioria democrata-cristã que compõe o partido. O Adolfo continua a ser respeitado e querido, apesar de votar as grandes questões sociais ao contrário do partido, como foi o caso do aborto, do casamento gay e da sua posição sobre as outras matérias fracturantes. O Chicão defende com unhas e dentes o modelo tradicional de família, é inequívocamente pró-vida, rejeita o experimentalismo social, tinge a sua democracia-cristã com uma acentuada componente conservadora, como tão habitual se foi tornando no CDS.

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Chegará inevitavelmente um ponto do caminho em que o CDS terá de escolher um ou outro. É verdade que gosta imenso dos dois, a afectividade por ambos é notória, o actual desejo por uma liderança carismática é indisfarçável, e a relevância incontornável do Adolfo e do Chicão é a prova disso mesmo. Ainda assim, há um mundo que os separa, e a liderança de cada um pressuporia dois partidos muitíssimo diferentes. O partido do Adolfo será sufragado neste congresso pela voz de Assunção Cristas, o tal partido pragmático, urbano e digital, a fugir a sete pés da tradição democrata-cristã e conservadora; um partido de medidas sem compromissos de fundo, adoutrinário. O partido do Chicão é, na sua juventude e irreverência, o partido a que a direcção chama velho; é humanista, solidário, conservador, doutrinário, assumidamente de direita e em linha com a matriz cristã fundacional da Europa. Ambas as visões saberão integrar a outra, independentemente de quem ganhe e quem perca; é essa a tradição do CDS. Mas, evidentemente, não poderão ser dominantes no mesmo tempo e com os mesmos protagonistas.

Assunção Cristas, de quem ainda não falei, ganhará este congresso. Previsivelmente, sem a entronização com que sonha desde o primeiro congresso, mas de forma sólida, apesar da sombra, ainda que involuntária, destes desejados. Achar que este é o último congresso de Assunção Cristas seria uma imprevidência; em política o futuro é recheado de surpresas. Assunção tem tido a coragem de tomar as decisões chave no momento certo, fê-lo ao avançar para a liderança do CDS, repetiu ao candidatar-se a Lisboa nas circunstâncias em que o fez. É uma presidente unipessoal, cerebral, determinada e profundamente ambiciosa. Não suscita grandes emoções, mas gere bem a simpatia moderada que vai ganhando e domina o cacique partidário de modo implacável. Poder-se-ia dizer, estética à parte, que é o Durão Barroso do CDS, e veja-se o percurso de Durão sem carisma nem paixões…

Tempos interessantes, estes do CDS; com capacidade de gerar novos protagonistas de excelência, com uma presidência atípica , mas forte, correntes de pensamento internas com vitalidade e muita gente a não prescindir da liberdade de pensar o partido e pensar o país. Tudo bons sinais, a desmentir quem professou o fim da direita.