O Parlamento, sob proposta do partido PAN, prepara-se para discutir a proibição da prescrição médica de metilfenidato (ritalina®) a crianças com menos de 6 anos de idade que sofrem de perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA).

Sobre este tema, é conveniente começar por esclarecer e tranquilizar as pessoas. Todos os novos fármacos, antes de chegarem ao mercado, passam por exigentes fases de investigação, sendo submetidos a um enorme escrutínio científico e de segurança, sob supervisão de entidades governamentais. Após o fármaco estar finalmente aprovado e comercializado, a avaliação não termina, iniciando-se a fase de farmacovigilância. Os médicos podem reportar às entidades nacionais (INFARMED) os efeitos secundários que vão surgindo nos seus doentes, através da utilização desse medicamento. Estes dados são analisados cuidadosamente e, caso surjam situações em que o risco suplanta o benefício, o medicamento é retirado do mercado.

Em pediatria, é frequente utilizar-se medicamentos que são prescritos off-label; ou seja, embora haja estudos publicados sobre a sua utilização em crianças, e esta se revele segura e eficaz, os laboratórios optam por não incluir essa indicação na aprovação do medicamento. Dito isto, não há razões para que a população tenha receios sobre a utilização clínica dos medicamentos, nem tão-pouco para desconfiar dos médicos ou das instituições que supervisionam os fármacos e a prática clínica, como é o caso do INFARMED e da Ordem dos Médicos.

Atualmente existem vários mitos urbanos relacionados com a saúde. São crenças erradas, sem qualquer fundamento científico, e que podem ter consequências graves. Veja-se, por exemplo, o mito que associa a vacinação do sarampo ao autismo, o mito que defende o abandono da utilização das estatinas no tratamento da hipercolesterolémia, etc. Se é verdade que a internet veio melhorar o acesso à informação, também é verdade que há inúmeras fontes de informação não validadas que são autênticos contentores de lixo informativo. As pessoas não têm tempo, nem capacidade, para confirmar a veracidade de toda a informação publicada sobre saúde. A facilidade que a internet tem hoje para disseminar uma ideia errada em larga escala, pode tornar-se um enorme perigo em termos de saúde pública.

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Nalguns sectores da sociedade, observa-se uma hostilidade crescente ao conhecimento científico. Desvaloriza-se a opinião dos especialistas e propaga-se a ideia de que todas a opiniões, sobre qualquer assunto, valem o mesmo, o que é falso. O médico deve ser reconhecido como um perito que, pela sua longa e exigente preparação, sabe mais sobre medicina do que as restantes pessoas, sendo o único a ter a necessária autorização para exercer esta atividade, elaborando diagnósticos e tratando as doenças.

Pode o Parlamento proibir a prescrição de medicamentos? Julgo que não. Esta iniciativa do partido PAN é injustificada, já que configura uma interferência política num ato médico, desvalorizando o saber e a prática clínica. A interferência do poder político nos atos clínicos é observada apenas em regimes totalitários. Cabe às instituições públicas reguladoras e fiscalizadoras, juntamente com a Ordem dos Médicos, garantir com rigor e independência a boa prática médica e a defesa da saúde pública.

Termino com uma declaração de interesses: não tenho qualquer ligação aos laboratórios que comercializam o metilfenidato. Mas tenho na minha família crianças que estão medicadas com este medicamento com excelentes resultados terapêuticos. O tratamento farmacológico da PHDA veio trazer enormes benefícios a milhares de crianças que anteriormente, pelas dificuldades de aprendizagem, estavam condenadas ao insucesso escolar e à exclusão social. Hoje, felizmente para muitos casos, o destino é diferente. Esta é uma conquista de uma sociedade moderna e esclarecida que aproveita os benefícios da medicina para trazer esperança aos doentes, oferecendo-lhes idênticas oportunidades e mudando as suas vidas.

Médico Psiquiatra