Alexandra Leitão, a secretária de Estado Adjunta e da Educação foi entrevistada pela Visão. A dado momento da entrevista afirma o jornalista a propósito das filhas de Alexandra Leitão: «Não lhe vou perguntar se elas estudam numa escola pública…»

Há anos que entre nós vigora este paradoxo jornalístico: sendo o jornalista por definição alguém que faz perguntas, em Portugal não se pergunta em que escolas estão inscritos os filhos de quem nos governa, sobretudo se esse alguém defender as causas queridas da comunicação social e disser aquelas coisas redondas sobre as maravilhas da escola pública. Contudo é aí que está o busílis da questão, como bem se percebe pela resposta da senhora secretária de Estado que, perante o interdito do jornalista, avança prontamente: «Mas eu respondo: por acaso não estudam (risos). As minhas filhas fizeram o jardim-de-infância e a primária numa escola pública. E agora estão na Escola Alemã.»

De que rirá a senhora secretária de Estado? Certamente da papalvice do país que não estranha aquele “por acaso”. Mas qual acaso? Estarão as filhas da senhora secretária de Estado numa escola que sorteia vagas nos pacotes de cereais? Iam as filhas da senhora secretária de Estado pela Segunda Circular e aquele boneco que está plantado no telhado da Escola Alemã perguntou-lhes “Passaram aqui por acaso? Então saiam na primeira à direita porque ganharam o direito a frequentar esta escola!”

Vai desculpar-me a senhora secretária de Estado mas não vejo aqui acaso algum. Vejo sim uma escolha, muito louvável até, de uma das mais reputadas escolas de Portugal. Mas detalhemos então o “acaso” que levou as filhas da senhora secretária de Estado Adjunta e da Educação a uma escola muito diferente daquela que o Ministério de que ela é secretária de Estado promove: «A opção pela Escola Alemã tem a ver com a opção por um currículo internacional. Para mim era importante que elas tivessem uma educação com duas línguas que funcionem quase como maternas, digamos assim. Se assim não fosse, andariam obviamente numa escola pública

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Francamente, senhora secretária de Estado, há inúmeras escolas neste país em que se falam duas ou mais línguas. Por exemplo, em algumas escolas da Amadora fala-se português e crioulo. Eu percebo que a senhora secretária de Estado prefira o alemão ao crioulo como segunda língua para as suas filhas. Mas isto, sou eu a falar. Eu, cujos filhos frequentaram escolas públicas e privadas nada por acaso mas simplesmente porque em cada momento se procurou escolher o que seria melhor para eles. Por exemplo, se eu escolhesse a Escola Alemã para os meus filhos nunca o faria para que eles dominassem o alemão – a facilidade com que as crianças e os jovens aprendem línguas dispensava-me desse esforço financeiro – mas sim por causa do rigor, dos métodos de trabalho e da disciplina que ali são incutidos. Mas claro isto sou eu de novo a falar e eu como se sabe faço parte daquelas pessoas que acham que todos temos de ter o direito a escolher a escola dos nossos filhos sem termos de inventar moradas para que eles vão para uma boa escola pública ou argumentos politicamente correctos que justifiquem a opção por uma boa escola privada.

Este sistema escolar que a senhora secretária de Estado defende – com os filhos dos outros nas escolas públicas e os nossos numa escola privada por causa de uma circunstância que não suscita polémica como os horários ou a segunda língua – tornou-se em Portugal um mecanismo que não só reproduz como acentua as fragilidades e as vantagens comparativas do meio de origem dos alunos. E foi nesta engrenagem que, qual grão de areia, entraram os contratos de associação.

O que está em causa, o que irrita nos contratos de associação é que milhares de famílias viram naqueles contratos algo em que muitos já desistiram de acreditar na rede pública: a escola enquanto factor de inclusão e ascensão social. Por outras palavras, eles não podem colocar os filhos na Escola Alemã mas também não os querem nas madrassas do senhor Nogueira. Querem apenas, dentro de um reduzido lote de escolas, escolher aquela em que os seus filhos vão fazer a escolaridade obrigatória. Mas o que a senhora secretária de Estado diz é que, além da escolaridade obrigatória, os filhos dos outros, para mais devidamente arrumadinhos socio-geograficamente pelos critérios de matrícula nas escolas públicas (para quando a discussão sobre esses critérios?), têm ainda o dever de frequentar obrigatoriamente as escolas da rede pública. Pois, senhora secretária de Estado, aquelas escolas onde passar de uma má para uma boa é o que de mais difícil existe em Portugal para aquelas famílias que não têm contactos, nem são filhos de alguém…

A defesa da escola pública nos termos em que a secretária de Estado a faz é pura e simplesmente a defesa de uma escola para as élites e outra para os restantes: quem tem dinheiro põe os filhos no privado, no privado sem contratos de associação, aquele em que se paga a mensalidade no fim do mês e ponto final. Como a Escola Alemã. Os outros vão justificar os empregos, a importância, as modas, as verbas e as manias dos donos da 5 de Outubro. Sabe, senhora secretária de Estado, nada é por acaso neste assunto.