É urgente termos consciência que o inimigo não é o vírus, mas o outro. Agora mais do que nunca é fulcral para uma reflexão importante: para que tal acontecesse profundamente, teríamos de ter elevado nível de empatia.

Temos realmente desenvolvido empatia? Temos consciência do lugar das palavras ditas na nossa sociedade? Teremos consciência da força e da importância do silencio?

Dias antes da explosão Covid-19, estava eu em Portimão em trabalho, quando descobri que uma das minhas músicas preferidas, de uma das minhas bandas preferidas, havia sido filmada num dos meus sítios preferidos (nas falésias de Portugal!). O videoclip oficial da canção “Enjoy the silence” foi filmado em 1989, parcialmente em Portugal nas arribas do aldeamento da Prainha Alvor, no Algarve.

A canção dos Depeche Mode, escrita por Martin Gore, cantada por Dave Gahan explora as relações entre pensamentos e emoções e como as palavras podem ser maléficas e magoar profundamente e, por vezes, é preferível o silêncio.

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Anton Corbijn, diretor e criador do videoclip oficial, numa entrevista ao Entertainment weekly em 2017, contou como concebeu o videoclip. Dave caminhara com uma cadeira, vestido de rei, com uma coroa, com uma pitada inspiradora da obra “o principezinho” de 1943 (para saber mais clique aqui). O rei que tem tudo e que não sente nada. Sentado no seu trono fútil e vulgar (uma cadeira fraca de praia), com um manto luxurioso no topo do mundo. Um rei que para onde quer que vá carrega o trono consigo. Numa ótica mais romântica, a letra pode também ser interpretada como uma ode ao silencio de ter quem se ama nos braços, sem serem necessárias palavras.

Vinte anos depois continuo a aprofundar essa canção. A conceber e a preparar formação de como permanecer em silêncio, ou seja, práticas meditativas (apesar de nem toda a meditação necessitar silêncio). Em particular, ministrar uma técnica que tem obtido validação científica rápida, a meditação mindfulness (também conhecida como meditação do discernimento, insight, entre outras).

A mindfulness tem sido mais mediática entre as centenas de programas e práticas, principalmente devido ao apelo pragmático de um protocolo de oito semanas em particular, desenvolvido por Jon kabat-zinn (ele próprio praticante e professor de yoga e meditação) e que somava, em 2017, mais de 600 investigações publicadas.

Uma tipologia de mindfulness, a Benevolência-compassiva (ou ‘Loving-Kindness’ ou ‘Metta-Karuna’ tem se revelado fortíssima no desenvolvimento de competências de empatia. Todos nascemos com neurónios-espelho (exceto perturbações psicopatológicas na linha psicopática) e todos temos o potencial de nos colocar no lugar no outro (em+pathos) e sofrer com o outro. Mas para isso, é necessário treino e formação.

Apesar de estar em isolamento social e/ou quarentena não significa necessariamente estar em silêncio, confesso que, ocasionalmente, em segredo, por vezes desejo que a cura para muitas patologias que assolam a humanidade (inclusive a covid-19) fosse o silêncio. Já pensaram? E se fosse? Será que as pessoas conseguiriam? E se alertássemos “Sabem que a cura da COVID-19 é ficar isolado em silencio 24h sem se mexer, e em jejum?!”

Nestes momentos desafiantes muitas (ou algumas?, não tenho dados estatísticos!?) pessoas acham difícil a quietude. Sentem-se desafiados pelo silencio e pelas quatro paredes. Num estudo científico recente, em que foi dada a possibilidade aos participantes de escolherem entre estar quinze minutos em silencio ou aplicarem-se choques elétricos a si próprios, mais e 70% preferiram auto-electrificaram-se. A quietude, a aceitação, o silêncio, aprende-se, como qualquer competência.

E, de repente, um post nas redes sociais de uma ex-formanda do último curso que ministrei diz assim “Ainda bem que fiz o curso de práticas meditativas com a Prof. Patricia antes de tudo isto …se não…não sei o que seria de mim nesta quarentena”. E sabemos que tudo está certo.

Sabemos os benefícios de várias praticas meditativas, quer os comprovados cientificamente, quer os que ainda aguardam (Por exemplo, o fabuloso novo desafio do Daniel Goleman & do Richard Davidson acerca dos Traços de personalidade alterados. Suspense e emoção só de falar na possibilidade, apesar de muitos de nós estarmos só mesmo à espera do método cientifico, porque já o sabemos por conhecimento empírico).

Apesar de não ser a cura, os benefícios comprovados do silêncio são já imensos. Podem encontrar dados aquiaqui e ainda mais aqui! Leiam tudo, porque é tudo o que podem esperar, e se calhar, o que não estavam à espera: o silencio regenera células cerebrais, melhora a memória, reduz estados ansiosos e muito mais. Ademais, neste momento em que todos parecem correm atras de respostas para um boost do sistema imunitário, chega a vale a pena revisitar os resultados destas e de outras investigações da Psiconeuroimunologia, ou seja, o estudo de como a mente afecta o sistema imunitário. Sim, a nossa mente determina muito mais do que aquilo que pensamos. Porém, se continuarmos a auto-limitarnos dizendo “eu sou assim e não há nada a fazer”, nunca conseguirmos o tal boost.

Ainda mais fascinante é o facto de muitas conclusões dos estudos sobre silêncio advirem de estudos que visavam estudar efeitos do som: e acabavam a descobrir os impactos do silencio. Por outro lado, já eram sabidos os impactos extremamente negativos da poluição sonora.

Numa perspetiva anexa, vale a pena ver a obra prima da 7ª arte  “The quiet place”, dirigido e interpretado por John Kkrasinski e também por Emily Blunt, que descreve também um mundo em que todos têm de manter silêncio e, caso não o façam, serão atacados por seres extraterrestres híper sensíveis ao barulho.

Este é o momento de abraçar o poder do silêncio, quer com práticas meditativas, quer com consciência e atenção plena ao impacto das nossas palavras na sociedade. Nas redes sociais. Nos outros humanos com quem partilhamos este planeta.

Sim, finalmente apreciaremos o silêncio. Se puderem, absorvam-no meditativamente com tantos de nós o fazemos. Se não conseguirem, apreciem a musica, a natureza, um bom filme ou um bom livro, com atenção plena. Mas acima de tudo, tenhamos consciência profunda do peso das palavras. E mesmo que vejam um outro cidadão a ter comportamentos menos ideias, procuremos contexto e reflitamos antes de barafustar ou insultar (ou ir fazer tudo isso nas redes sociais!).

Lembremo-nos que o pior de todos os vírus é a falta de empatia. É perder a educação o respeito pelo outro. É não pensar que podemos matar o outro com comportamentos e com palavras. O pior de todos os vírus é o potencial de deseducação, violência, desrespeito pelo outro. Em tempos de pandemia ou fora dela. Como diz um ditado zen, possivelmente de origem taoista e/ou confucionista, quando se tenta explicar o Zen: “os que falam não sabem, os que sabem não falam”. As lesões desse pior de todos os vírus são a eterna a dor de palavras ditas, que jamais poderão ser apagadas. Cuidemos do bem mais precioso de todos: a mente.