Quero começar por resumir o que de seguida vão ler: não só Portugal não precisa da TAP, como a TAP é o arquétipo de uma empresa disfuncional, arcaica, onde reinam o compadrio e as cunhas, e cuja nacionalização é dos maiores erros que o país pode fazer.  Por exemplo, esta injeção de 1,2 mil milhões de euros, que assumidamente não vai ser recuperado, é tanto como 50% do orçamento do Ensino Superior português e não pode ser desperdiçado em recursos não estratégicos. Queria trazer alguns números a um debate onde só há a ardente paixão do patriotismo rococó.

A TAP foi fundada em 1945 para suprir os desejos de conexão ao império colonial. Uma empresa sempre privada e sempre envolta em prejuízos avultados, já que nos últimos 20 anos, apenas deu lucro num, em 2017, possivelmente um resquício de um processo de privatização. Há já uma década, que a TAP está em falência técnica e em suporte de vida constante do Governo português, que se orgulha de ter as ditas bandeiras pintadas na fuselagem. Mesmo em 2018 e 2019, tendo Portugal assistido a um “boom” no turismo, que nos próximos anos muito dificilmente se vai repetir, a TAP apresenta prejuízos recordes, ao mesmo tempo que premeia descaradamente os seus gestores. Este facto deve-se, sem que alguma dúvida haja, à incapacidade de gestão da mesma, pois todas as outras companhias aéreas a operar em Portugal apresentam lucro. As que não o fazem, abrindo falência, são compradas, reestruturadas e depressa integram novas companhias, sem que o cliente sofra de alguma forma. As leis do mercado são simples e sempre foram: havendo  procura, há oferta. Hoje, com as dezenas de companhias aéreas a operar em Portugal, e com sede de expansão, com custo praticamente zero para os contribuintes, porquê sustentar uma empresa que tão mal nos serve?

1 Há quem diga que a TAP é indispensável para unir o país e que presta um serviço insubstituível à população. Na realidade, a TAP pouco ou nada serve a maioria da população. No ano de 2019, no aeroporto do Porto, 81% dos passageiros utilizaram outras companhias aéreas; em Faro são 96.5%; em Ponta Delgada são 84%; no Funchal 73%. A TAP apenas teve hegemonia em Lisboa, com 52% do número de passageiros transportados em 2019 (1). No Porto, a reestruturação prevê três rotas internacionais, às vezes com o argumento confuso de que o Aeroporto Sá Carneiro não é rentável – confuso, pois todas as restantes 29 companhias que operam a partir do Porto são rentáveis num período normal (é por isso que voam para lá, evidentemente). Isto vem de um dos maiores erros que a TAP fez. Em 2016, decidiu mudar grande parte das operações que tinha no aeroporto Francisco Sá Carneiro para a Portela, estabelecendo a Ponte Aérea, alegando que os voos a partir do Porto não eram rentáveis, motivando críticas de Rui Moreira e Pinto da Costa. Se foi alguma guerra interna ou pura negligência é difícil saber, mas pouco depois disso acontecer, a Ryanair e a easyJet entraram em força na Invicta, a primeira destas transportou 34% dos passageiros em 2019, eclipsando os 21% da TAP, e mostrando que procura sempre houve.

Em Faro, a situação é ainda mais gritante: não precisamos de um mestrado em turismo para perceber que uma grande percentagem dos turistas que visitam o Algarve é de nacionalidade britânica. A TAP realiza 0 (zero) voos internacionais, e apenas um voo para Lisboa. Sendo Faro o centro do turismo português, com 20 milhões de dormidas em 2019, é evidente que quase nenhum dos quase 9 milhões turistas estrangeiros lá chegou pela TAP – tinham essa possibilidade, se marcassem uma passagem de 5 dias por Lisboa, um disparate. Logo, é insensato desejar que os habitantes do Sul vejam o dinheiro das suas contribuições investido numa companhia que não beneficia a sua região em praticamente nada.

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Nas ilhas, a situação repete-se. Embora a TAP ainda transporte a maioria dos passageiros para o Funchal, vai perdendo terreno para a easyJet e a Transavia, não apresentando um único voo para o estrangeiro (excetuando o Funchal-Sal, que retomou no dia 7). Nos Açores, onde a companhia de bandeira divide a responsabilidade de ligação do arquipélago com a SATA, já perdeu o segundo lugar do pódio para a Ryanair.

Em 2019 passaram pelos aeroportos do Porto e Faro, 13 e 9 milhões de passageiros (2), respetivamente, uma fatia de quase metade do total nacional, não servidos pela TAP. É de acrescentar que, durante anos, o lobby vigente da TAP barrou o estabelecimento de bases de companhias aéreas low cost, que atualmente a superam liminarmente.

No que remete para as ligações a África, a TAP enfrenta cada vez mais concorrência de outras companhias e chega mesmo a apresentar preços menos apelativos do que a Qatar Airways nas suas rotas, não obstante o salto de qualidade desta última.

2 Então e a Ponte Aérea? A TAP optou por concentrar operações num aeroporto sobrelotado, em Lisboa, e com enorme necessidade de reformas severas. A “solução encontrada” seria a de voos constantes a ligar Lisboa e o Porto, mas o produto final são 3 ou 4 voos diários, dispendiosos, a chegar a Lisboa a meio da tarde – o que leva qualquer turista a recusar esta opção, pois para apanhar um voo antes das 15h, com esta “ponte”, só mesmo com máquina do tempo (sábado, dia 22 de agosto: 3 voos da TAP, o primeiro a chegar às 16h45). Mais ainda, qual será a motivação de um habitante do Porto para perder uma hora num voo até Lisboa, mais uma hora em escala (excetuando os atrasos constantes) para depois apanhar um voo de ligação para um dos vários destinos que a TAP oferece na Europa, quando a easyJet, Ryanair, Transavia e Lufthansa oferecem o mesmo destino, com um preço mais barato e sem a necessidade de perder duas horas a viajar na direção errada? Sem falar sequer nos atrasos, que em algumas situações colocam os voos da Ponte Aérea à mesma velocidade que o Intercidades da CP, a ocupação de slots desnecessária na Portela, e o dano que é feito ao ambiente.

3 “A fatura exorbitante para os contribuintes é justificada, pois melhora a imagem de Portugal no exterior” – este é um argumento um tanto ridículo, pois mais nenhum país europeu nacionalizou a sua companhia aérea (2019 e antes). A Suíça, um país riquíssimo em comparação com Portugal, deixou deliberadamente a companhia nacional, a Swissair, falir, em 2002. A companhia foi vendida, reestruturada, e em 2019 originou lucros de 540 milhões de euros – sem intervenção estatal. Atrevo-me a dizer que o que define o prestígio do país é o rigor da educação, a qualidade dos serviços de saúde, um salário mínimo elevado e dinamismo. E este último esbarra completamente com um artefacto dos tempos coloniais – diga-se, TAP. Hei-de de desafiar um suíço a vir a Portugal e dizer-lhe “estamos ao vosso nível!”, “Na educação?”, “Não”, “Na economia?”, “Não, mas temos uns aviõezinhos de bandeira que são uma beleza”. Não o iria convencer.

4 “A qualidade ímpar da TAP tem de se pagar”: em termos de pontualidade, passo a citar, “TAP é uma das companhias menos pontuais do mundo” onde, de resto, “a maioria das companhias listadas são operadoras “low cost” de longo curso como a Norwegian ou a Air Asia X”(3, 4). Em termos de qualidade, a Skytrax, principal consultora de análise a companhias aéreas do Reino Unido, deu 4/10  à qualidade da TAP, classificando-a como uma companhia 3 estrelas. Em comparação, as low cost EasyJet e Ryanair tiveram ambas 5 em 10 – nada mal, e ficam mais em conta. Vendo a Lufthansa, uma concorrente direta, temos 6/10 e 5 estrelas. Falamos de companhias com qualidade superior à da TAP, a operar em Portugal com preços mais competitivos, e que, novamente, são privadas e não carecem de fundos públicos. Convém também acrescentar que, qualquer pessoa que tenha viajado com alguma regularidade na TAP nos últimos anos, nota a descida de qualidade. Refeições quentes, essas já não existem nos voos para a Europa, e se há qualquer tipo de refeição, esta não passa de uma sandes de 3,5 polegadas, que serve mais de insulto do que sacia a fome.

5 “O português deve pagar a TAP, pois tem o direito de utilizar a TAP”: dois terços dos portugueses utilizam outras companhias aéreas devido à maior oferta e preços mais baixos, e essas, ele não foi obrigado a pagar. Acrescento: perante uma crise económica monumental, penso que a preocupação dos portugueses não é utilizar o bem público que é a TAP, mas sim focar nas suas necessidades básicas, quer incluam viajar ou não. Mais ainda, apesar de não haver dados, será que não se pode argumentar que os membros da nossa comunidade emigrante espalhada pela Europa não passaram a poder regressar a Portugal com mais frequência depois do aparecimento das low cost? E os estudantes em Erasmus e demais portugueses deslocados do nosso país?

6 “A TAP faz serviço público e isso está à vista durante a pandemia”. É verdade que a TAP repatriou portugueses retidos em Luanda e Maputo, mas não há confusão nenhuma: o custo dos bilhetes foi superior ao já normal elevado (com um bilhete de ida a custar valores acima dos mil euros). O material trazido da China para Portugal veio através da HiFly e de outras companhias, o que não é de estranhar. Qualquer companhia aérea, nesta fase, está pronta a fazer leasing dos seus aviões parados para colmatar as necessidades dos países. Havendo concurso público, o custo desses voos será sem dúvida inferior aos da TAP. Nada contra ajuda humanitária taxada à hora, mas penso que poderíamos pagar apenas o custo do voo e não outros 1,2 mil milhões em cima.

7 “É necessário proteger os 10 mil empregos da TAP” : Portugal serve de base de operações para inúmeras companhias aéreas, cujos trabalhadores são cidadãos portugueses e contribuintes. É inaceitável ter preferências e defender que uns devem ser salvos ao mesmo tempo que se despreza completamente os restantes. Este movimento não está restrito a companhias aéreas, pois testemunhamos a subida galopante do desemprego. Acrescento: 1,2 mil milhões de euros para 10 mil corresponde a 120 mil euros por posto de trabalho, o que é absolutamente impensável. Durante o período de  lay-off, a companhia recusou-se mesmo a reduzir os salários ao estipulado pelo Estado e optou por compensar os trabalhadores, uma medida ótima, não fosse ser paga após uns meses pelos milhares de portugueses que não tiveram essa sorte. Mesmo se a empresa falir, os seus bens e trabalhadores serão absorvidos pelas outras companhias, sem necessidade destes gastos.

8 “A TAP contribui para 2% do PIB, tanto como 3,5 mil milhões de euros”: é igualmente verdade que as dívidas da TAP, tendo em conta o leasing de aeronaves, ronda igualmente os 3 mil milhões de euros.  A maior parte desta contribuição prende-se com serviços de manutenção e consumo de combustível, que, novamente, podem continuar a existir mesmo com a falência da TAP, ou de forma independente, ou integrando outras companhias. Não é descabido pensar que, se esta é a contribuição da TAP, servindo praticamente só um aeroporto, as outras companhias rentáveis devem ter contribuições da mesma ordem de grandeza, se não superiores. O mesmo pode ser dito das exportações, que a TAP diz serem no valor de 2 mil milhões de euros, mas cada um dos novos A330neo custa (a preços tabelados) 263,8 milhões de euros. Os 21 que a TAP encomendou custam no total 5,535 mil milhões de euros, sem falarmos sequer na compra de outros modelos, combustível, peças, etc.

Então e como proceder nesta crise? Nas palavras do CEO da Ryanair, em entrevista ao Público, “seria melhor distribuído através das várias companhias aéreas que operam em Portugal ,em proporção do seu contributo para a conectividade do país”. Em vez disso, a escolha dos dirigentes do país cinge-se a suportar uma única companhia, com ajudas que em março se estimavam ser de 300 milhões de euros, mas que já vão em 1,2 mil milhões, e que todas as partes envolvidas reconhecem ser impossível pagar nos 6 meses impostos pela UE.

Não nos deixemos enganar. A TAP até poderia ser muito rentável, se fosse feita uma reestruturação, uma que já vem não com anos, mas décadas de atraso, para reverter o que anos e anos de gestão danosa fizeram. E teria de ser uma reestruturação profunda, não fogo de vista, para limpar todas as cunhas, relações de compadrio impregnadas na empresa há décadas e fazer contratos de trabalho que não prejudiquem a empresa. Mas como isso nunca vai acontecer, não fosse a TAP deixar de ser tacho para qualquer que seja o partido no poder, se calhar é altura de abdicarmos da TAP, deste elefante branco, pois, do mesmo modo que não é com a Champions que se melhoram as condições dos trabalhadores de saúde, não é por ter as cores da bandeira nos aviões que somos melhor país ou os que estão lá fora nos veem melhor.

Em suma, favorecer uma empresa falida e não dar um cêntimo a outras companhias aéreas rentáveis e que melhor servem Portugal, especialmente durante uma crise económica onde os fundos são escassos e necessários em outras aplicações, é obsceno, imoral e um atentado às regras do mercado livre, onde a ineficiência, inutilidade e prejuízo são colocados num pedestal em nome do “orgulho” nacional, quando os potenciadores de mudança e ascensão do país são descartados para segundo plano.

Olhando a números e não a paixões, a escolha é clara, como foi para tantos portugueses.

(1) (2) Relatórios trimestrais ANAC 2019