Não há ditado que descreva de maneira melhor a relação de Portugal com a falta de água que aquele que diz: “A gente só se lembra de Santa Bárbara quando começa a ouvir a trovoada”. É rigorosamente a abordagem que temos tido face aos períodos de seca que temos enfrentado e, face ao que enfrentamos hoje, a conduta permaneceu igual. É quando já estamos mergulhados em plena crise de escassez de água doce que trazemos o problema à ordem do dia, é quando abrimos telejornais, vamos ao interior entrevistar os agricultores e criadores de gado, terminando com a habitual visita ao Instituto de Meteorologia para nos ser transmitida a derradeira frase com cadência de sentença, “estamos em seca”, para que o país urbano fique notificado, enquanto que, para o país rural, há meses que a situação não é nenhuma novidade.

O que também não é novidade nenhuma para quem vive em função da queda de chuva é a geral fragilidade que o nosso país apresenta face às situações de seca, onde reside uma gritante falta de alternativas. A maioria da água que consumimos em casa, e com a qual regamos as plantações e damos de beber aos animais de pastagem, provém de reservatórios artificiais ou de lençóis freáticos, que, em situação de seca, se tornam repetidamente insuficientes para abastecer as necessidades básicas de consumo do país, situação que terá tendência para ser cada vez mais dramática à medida que os efeitos das alterações climáticas se forem fazendo sentir, com secas cada vez mais prolongadas.

Portugal tem vários problemas impostos no que à água diz respeito, a começar pela evidente falta de chuva, que é o principal foco de desequilíbrio hidrográfico, mas também a situação de vulnerabilidade face ao facto de três dos nossos maiores rios nascerem em Espanha, vizinho esse que teima constantemente em desrespeitar as convenções internacionais, não deixando passar frequentemente aquele que seria o caudal obrigatório para o lado português, situação que é recorrente e em relação ao qual o governo nacional não vocifera com a devida assertividade nas instâncias supranacionais europeias. As próprias características da península ibérica são propícias à existência de largas zonas grandemente vulneráveis a secas, como é notório na região sul.

Outro handicap é a insuficiência dos nossos reservatórios artificiais, a grande maioria deles de pequena dimensão, problema que o Alqueva não resolve no longo prazo na região sul. O aumento gradual das temperaturas provoca inevitavelmente um maior consumo de água. A dependência económica do interior rural face à água é uma catástrofe por acontecer que pode gerar uma crise alimentar nacional, obrigando a um aumento de importações e, consequentemente, de despesa geral, pois, sem água não há pastagens para o gado de carne e leite, nem alimentos vegetais, adicionando o facto de que tudo o que são negócios ligados à extração de lenha e cortiça necessitam desesperadamente de convenientes épocas de chuva para que o produto se consiga extrair. Resumindo, a falta de água é passível de paralisar quase toda a actividade económica das zonas rurais que são, também, as mais pobres, acelerando o processo de desertificação demográfica e estagnação económica. Por fim, pecamos pela inexistência de uma competente cultura de poupança de água, tendo com esta uma relação de fidalguia com um vasto leque de maus hábitos.

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Com uma decrescente oferta de água disponível e uma crescente procura, só podemos prever que o valor deste bem tenderá a subir para patamares difíceis de prever, especialmente se chegarmos ao ponto de ter de importar água, o que, num país europeu com mais de 800 km de costa marítima, afigurar-se-ia como um episódio tragicómico de tão absurdo que soa.

A cada ano que passa torna-se mais urgente a Portugal repensar a sua relação com a gestão e acumulação deste bem escasso. Além de essencial à vida e à economia, é também uma questão de soberania nacional conseguir garantir o acesso fácil à água a qualquer cidadão nacional sem estar dependente de outras nações que, em qualquer momento, e por qualquer razão, nos poderiam cortar os abastecimentos.

A construção da central de dessalinização do Algarve é um importante passo no sentido da gestão hídrica nacional. Todavia, é necessário mais, porque a dessalinização não é a solução para combater a escassez de água, mas sim, uma opção para estreitar o espaço entre a sua oferta e procura. Será necessário mais investimento em centrais dessalinizadoras, mais ênfase no tratamento de águas residuais para uso nos sistemas de regadio, e porventura, para consumo humano, um debate sério acerca da melhor forma de gerir a utilização hídrica dos reservatórios e o combate ao desperdício e evaporação de água, e o estabelecer efectivo de uma cultura de poupança de água e de respeito pela sua escassez.

Portugal será um dos países da Europa onde as alterações climáticas mais terão sequelas, alterando a dinâmica para um clima mais seco, menos chuvoso e de temperaturas mais extremas, onde os fenómenos meteorológicos extremos também farão parte da equação, como secas prolongadas ou enxurradas efémeras e violentas, e temo que, nesta corrida contra o “tempo”, estejamos consideravelmente atrasados.