Portugal é um país racista? A pergunta está na base de inúmeros debates e artigos que, ao longo dos anos, têm ocupado o espaço público – geralmente em reacção a acontecimentos concretos relacionados com violência ou discriminação étnica. E é daquelas perguntas para as quais não faltam respostas – toda a gente tem uma opinião. Há quem garanta que sim, que o racismo em Portugal é ainda uma força eventualmente silenciosa mas poderosa no bloqueio da igualdade de oportunidades. Há quem assegure que não, isto é, que Portugal se distingue positivamente no contexto dos países europeus. E há ainda quem ache que a questão nem sequer justifica debates, de tal modo o assunto é marginal. Ora, correctas ou erradas, o problema destas respostas é que concentram tudo nas percepções pessoais e não permitem ver para além disso. Ou seja, afastam o debate daquele que deveria ser o seu verdadeiro foco: a análise dos dados que nos informam sobre o acesso das minorias étnicas à educação, à habitação, à saúde, às diferentes profissões ou ao tratamento no sistema penal. Só a análise desses dados permitirá compreender a dimensão e a extensão do racismo na sociedade portuguesa. Obstáculo: esses dados não existem.

Os dados não existem e, por decisão do INE, continuarão a não existir. Na preparação dos Censos 2021, que farão o retrato detalhado da sociedade portuguesa, gerou-se um intenso debate sobre se a questão étnica-racial deveria (ou não) ser colocada aos portugueses. Foi, aliás, formalmente nomeado um grupo de trabalho amplamente representativo das partes interessadas (desde organismos do Estado às associações da sociedade civil que combatem o racismo) para ponderar a inclusão dessa pergunta no inquérito. E, após um ano de audições e discussões, esse grupo de trabalho deu parecer positivo à inclusão dessa pergunta, concluindo que sim, há riscos mas também há uma mais-valia que se impõe em conhecer a composição étnica-racial da sociedade portuguesa e, através dela, aferir se/onde/como a etnia-raça constitui factor de discriminação. Infelizmente, indo contra o parecer desse grupo de trabalho, o INE decidiu contra: alegando a necessidade de mais reflexão sobre a temática, a questão não se colocará nos próximos Censos, em 2021.

A decisão do INE constitui um erro técnico grave. Quem analisa dados demográficos e pretende contribuir para a compreensão dos fenómenos sociais sabe bem que há indicadores indispensáveis para o efeito – e jamais prescinde deles. Por exemplo, se não se souber o género, não se pode compreender as diferenças entre homens e mulheres no acesso a carreiras e salários. Sem conhecer a formação escolar/ académica dos portugueses, não se conseguirá descobrir o valor dessa formação para a sua qualidade de vida. E sem fazer o levantamento da composição étnica-racial da população nunca será possível uma compreensão rigorosa sobre a discriminação existente – nem guiar as políticas públicas para soluções equilibradas e eficazes. No limite, peca-se por excesso (indicadores a mais) e não por défice (indicadores a menos). É, portanto, incompreensível que seja o INE a prescindir tecnicamente e de forma deliberada de indicadores que teriam potencial valor explicativo e relevância directa para o seu trabalho.

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