Poderá ser instinto, o de responder quando algo noticiado, decorrente da política, da Igreja, do futebol, ou dos casos que são “analisados” pelos programas que enchem as tardes da T.V. generalista portuguesa.

Contudo, o quotidiano, não me permite assumir o mesmo que muitos dos bons, puros, mais ou menos ingénuos compatriotas que vejo transmitir tal mensagem de esperança… a Presunção de inocência.

Enquanto os casos e “casinhos” da Política, a fruta ou as transferências dos grandes clubes de futebol, o posicionamento criminalmente e pecaminosamente silencioso da Igreja, e seja qual a adjetivação dos casos Banco Espírito Santo e do ex-primeiro ministro, José Sócrates, há todo um outro universo de casinhos (que não merecem aspas) sem presunção de inocência operacional..

Duram anos a fio os “mega processos”, investigações cujas fotocópias é necessário transportar em veículos pesados de mercadorias. Entram muitos honorários, justificados em requerimentos, pareceres de advogados e doutores de toda e qualquer ciência e nesciência, nesses casos sim, sem dúvida, existe a presunção de inocência.

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Mas há um rio e, talvez, um mar de coimas, de decisões administrativas sem fundamentação, de notificações da AT, da PSP ou GNR sem elementos necessários para os efeitos pretendidos, de acessos a documentação administrativa que são negados sem mínimo fundamento.

Nesse mar, há em alguns casos presunção de culpa,  porque não há possibilidade ou meios para fiscalizar com “pente fino”, muito menos tempo para instruir e decidir munidos de ampla ponderação e construção de pensamento jurídico sério e estruturado, por uma não ignorável parte (diversa e destacável do todo) dos serviços públicos,  num conjunto de motivos para coimar, que aumenta a cada dia.

Em outros casos, facilmente, por comparação, concluímos que vale mais uma falsidade, documentada por bons contabilistas e advogados, do que a verdade de quem alega “por sua honra” ou juntando os seus próximos a testemunhar. Deixando nota que, notoriamente, é mais fácil exigir, perentoriamente, por email, juntando procuração forense, do que pedir, educadamente, para aceder à informação que nos está a afetar.

O Direito a ser presumido inocente é vital! O Direito está previsto como fundamental, por força do n.º 2 do art. 32.º da Constituição da República Portuguesa. Há outras coisas mencionadas aqui que, de facto, não se enquadram sequer no contexto da presunção de inocência, muito mais na boa administração, na transparência e mesmo noutras garantias penais, aplicáveis, subsidiariamente, às sanções contraordenacionais.

Esta garantia constitucional, este status processualis, é idealizado num formato que ao pleitear faz todo o sentido, ao analisar factos de forma completa e congruente, ficando a cargo dos que falam “juridiquês”, o enquadramento correto.

O problema é que, no formato “caça à multa”, com envios automáticos e automatizados, com dados de cobrança automática, com ausência de capacidade do cidadão, per si, conseguir bem aceder à documentação, aos formatos que permitem ver os seus pedidos atendidos, que acham que a sua palavra deveria valer mais do que testemunhos ou papéis aliado a um nível baixíssimo (eufemismo) de formação jurídica e dos princípios da atividade administrativa nos seus recursos humanos, o resultado é que o cidadão paga. É o responsabilizado, quase presumido culpado, por não ter, ou calcular que o custo de recursos necessário é superior à perda, que sofre por ser mal administrado.

A propósito da autonomização do Direito contraordenacional (face ao penal), Inês Ferreira Leite já avançava que as contraordenações não podem ser vistas como “instrumento de diminuição das garantias do cidadão ante interferências punitivas do poder público” (Vide a intervenção de Inês Ferreira Leite), onde se dava notas de argumentos sobre o recurso a padrões de prova do factos mais flexíveis, descendo os critérios de in dubio e recurso a novas formas de arrecadação de receitas.

Assim, não havendo qualquer sentido pedagógico na administração, crescendo a resposta tecnológica e automatização, os argumentos avançados (em outros tempos) como contraponto ao transferir da esfera penal para a administrativa das tarefas sancionatórias ganham novo fôlego e preocupação, será que só quem pode adquirir serviços jurídicos pode “comprar” presunção de inocência.