Não me lembro exatamente o que me fez querer tirar o curso de Ciência de Computadores, mas lembro-me de precisar de ir ler as instruções para conseguir ligar o meu primeiro computador, aos oito anos de idade. A superação de desafios sempre me motivou na vida, e a Ciência de Computadores não foi diferente. Os trabalhos que desenvolvia, em grupo ou individualmente, tinham sido relativamente fáceis no secundário, mas na faculdade dei por mim a chumbar em alguns dos meus cursos de CS e de Informática. Essa experiência de falhar foi para mim um ponto de viragem. Acho que percebi que tinha de trabalhar mais e dedicar-me mais, se queria ter sucesso.

Esta é uma história de resiliência e persistência, numa área ainda fortemente dominada por homens. Nos últimos anos, vários estudos concluíram que o ecossistema cripto é esmagadoramente branco e masculino. Um relatório de novembro de 2021, do Pew Research Center (Washington DC, EUA) revelou que, no país, os homens têm mais do dobro da probabilidade de dizer que utilizam criptomoedas do que as mulheres (22% para 10%). Se analisarmos com mais pormenor a utilização de criptomoedas por parte das faixas etárias mais jovens, até à Geração Z – as que maioritariamente fazem parte do ecossistema cripto – 43% dos homens americanos dizem ter usado Bitcoin e outras criptomoedas, enquanto que no público feminino esse valor desce para os 19%.

No contexto europeu – e centrando-me especificamente no ecossistema nacional –, creio que podemos dizer que o cenário não é muito diferente mas tem havido, gradualmente, alguns sinais de mudança. Portugal é cada vez mais reconhecido como um centro de talento tecnológico de topo na Europa. Para continuar a crescer, precisamos de assegurar que todos participam plenamente no ecossistema tecnológico, e isso começa com a participação feminina. As iniciativas para promover as mulheres na tecnologia são importantes, mas penso que ainda mais útil é normalizar as mulheres que pertencem aos cargos técnicos. À medida que se torna mais comum ver as mulheres terem sucesso na CTEM, outras mulheres e raparigas descobrirão que é uma possibilidade também para elas.

Voltando a trazer o meu percurso académico e profissional como um exemplo, posso dizer que a experiência de falhar permitiu-me chegar aonde estou hoje e enveredar pelo caminho do Front End Engineering. O fracasso motiva-me a fazer melhor e a conseguir mais, mas também me impediu de evoluir e crescer durante muito tempo. Tinha tanto medo de falhar que muitas vezes nem chegava a tentar. Ao longo dos anos, esse impulso impediu-me de ir em busca de objetivos profissionais. Ultrapassei-o, fazendo-me a mim própria uma simples pergunta: “Estou a dizer não por medo?” Se a resposta for sim, então obrigo-me a dizer que sim. Ao fazer a mim própria este teste, e mantendo-o ativo, permito que isto me conduza a tantas coisas incríveis profissionalmente. Hoje, estou a gerir novos projetos no trabalho, a fazer apresentações a toda a empresa, a desafiar-me para ajudar os outros, e a não ter medo de fazer perguntas. Aprendi que sou capaz de muito mais do que pensava. No meu papel enquanto Front End Developer, interajo com colegas de toda a empresa para obter feedback sobre os produtos e certifico-me de que o produto que crio, em equipa, satisfaz todos os requisitos. É ótimo ter um papel em que interajo com tantas equipas diferentes.

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Posso ter tido sorte mas, na verdade, nunca senti uma diferença na forma como sou tratada, enquanto engenheira. Tive a felicidade de ter uma engenheira como coordenadora, e nunca tive a experiência de os meus sentimentos ou opiniões serem desvalorizados. Algumas mulheres podem sentir-se desconfortáveis por serem as primeiras engenheiras de uma empresa, mas penso que é importante estabelecer uma posição na equipa de engenharia e trazer outras mulheres para se juntarem a nós. Depois de a minha coordenadora sair, fui a única mulher da equipa de engenharia durante algum tempo na empresa onde trabalho mas, desde então, a equipa cresceu e temos quatro mulheres, num grupo de doze.

Hoje, constato que a minha equipa tem uma grande representação feminina, um sinal da mudança de que falava anteriormente, no ecossistema tecnológico português – e especialmente na área cripto. Mas, apesar do género, todos são respeitados e ouvidos e isso é o que me deixa mais feliz e confiante no futuro.

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõe o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.