Decorreu no final da semana passada em Lisboa (no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, IEP-UCP) a 10ª Conferência (bienal) da Michael Oakeshott Association. Foi um encontro tocante de admiradores do velho filósofo — sobretudo por não existir qualquer apoio material associado ao evento. Cada participante pagou a sua deslocação para, e a sua estadia em, Lisboa. A Michael Oakeshott Association não recebe subsídios do estado nem certamente gostaria de receber. O mesmo acontece, aliás, com o IEP-UCP, em que as receitas do estado não chegam a 3% do seu orçamento.

Foi notada, em silêncio, a excentricidade de alguns participantes, o que todos entenderam como homenagem à famosa excentricidade inglesa de Oakeshott. No código de vestuário, no entanto, Oakeshott era bastante mais conservador do que alguns dos seus actuais admiradores (sobretudo americanos). O tópico não mereceu todavia qualquer comentário, apenas ligeiros elevar de sobrolhos, na melhor tradição conservadora liberal britânica.

Robert Grant, que está há algumas décadas a preparar a biografia de Oakeshott (e que se apresentou apropriadamente de fato e ‘bow tie’) recordou um dos mais tocantes dos muitos paradoxos de Oakeshott. Famoso defensor do compromisso e da moderação, do pluralismo e da conversação entre várias vozes, alguns dos seus ensaios poderiam ser classificados de “quase pacifistas”. No entanto, recordou Grant, foi este “pacifista” que se ofereceu como voluntário às Forças Armadas britânicas em 1940, quando já tinha 39 anos e detinha uma confortável posição como professor em Cambridge.

Segundo Grant, Oakeshott queria integrar os serviços das Operações Especiais — um sector particularmente exigente, em que a esperança de sobrevivência era baixa (creio que ele disse cinco semanas e meia) e a tortura precedia sempre a morte inevitável em caso de captura pelo inimigo. Os serviços britânicos declinaram integrá-lo em acções directas de subversão no interior das linhas inimigas, por considerarem que ele tinha uma aparência ostensivamente inglesa. Mas, ainda assim, Oakeshott integrou as Forças Armadas britânicas e chegou a actuar no continente depois do D-Day, embora não na frente de batalha.

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Estes apontamentos pessoais tornam ainda mais tocante e intrigante a abordagem conservadora de Oakeshott da causa da liberdade ordeira que ele defendeu sempre intransigentemente. Algumas memoráveis passagens foram recordadas durante a conferência:

“A liberdade que ele vai investigar não é nem uma abstracção nem um sonho. Ele é um libertário, não porque começa com uma definição abstracta de liberdade, mas porque usufruiu um modo de vida (e viu outros usufruirem-no), ao qual aqueles que o usufruiriam estão acostumados (com base em certas características precisas) a denominar como modo de vida livre; e porque descobriu que esse modo de vida é bom. O propósito da indagação não é definir uma palavra, mas detectar o segredo do que usufruímos, reconhecer o que lhe é hostil, e perceber onde e como pode ser usufruído mais plenamente. […] Além disso, nós devemos recusar ser levados a escrever ‘liberdade’ em deferência às susceptibilidades de, por exemplo, um russo ou um turco, que nunca usufruíram da experiência (e os quais, consequentemente, só conseguem pensar em abstracções), porque qualquer outro uso da palavra inglesa ‘liberdade’ poderia se enganador.”

Tentando “detectar o segredo do modo de vida livre”, Oakeshott escreveu em seguida:

“[A condição mais geral da nossa liberdade] aparece, em primeiro lugar, numa difusão da autoridade entre passado, presente e futuro. A nossa sociedade não é governada exclusivamente por nenhuma delas. […] Além disso, connosco, o poder está disperso entre toda uma multitude de interesses e de organizações de interesses que compõem a nossa sociedade. Nós não tememos ou tentamos suprimir a diversidade de interesses, mas consideramos a nossa liberdade imperfeita enquanto a dispersão de poder entre eles for incompleta, e ameaçada se o interesse de alguém ou uma combinação de interesses, mesmo que possa ser o interesse de uma maioria, adquirir um poder extraordinário. De modo semelhante, a conduta do governo na nossa sociedade envolve uma partilha de poder, não só entre os órgãos do governo reconhecidos, mas também entre a Administração e a Oposição. Em suma, nós consideramo-nos livres porque a ninguém na nossa sociedade é permitido um poder ilimitado — nenhum líder, facção, partido ou ‘classe’, nenhuma maioria, nenhum governo, igreja, corporação, associação profissional ou comercial, ou sindicato. O segredo da nossa liberdade é que é ela é composta de uma multitude de organizações, na constituição das melhores das quais é reproduzida essa difusão do poder, que é característica do todo.”

Oakeshott escreveu estas palavras em 1949 (em “The Political Economy of Freedom”), já depois da vitória anglo-americana na II Guerra. Dez anos antes, em 1939, quando o continente europeu era assediado por fanatismos rivais, ele tinha escrito em The Social and Political Doctrines of Contemporary Europe:

“Relativamente aos ideais morais representados nestas doutrinas, a clivagem fundamental parece-me residir entre aqueles que entregam à vontade arbitrária dos auto-nomeados líderes da sociedade o planeamento da sua vida inteira, e aqueles que não só recusam entregar o destino da sociedade a qualquer grupo de funcionários como também consideram que  a própria noção de planeamento do destino de uma sociedade é simultaneamente estúpida e imoral. De um lado, estão as três doutrinas autoritárias modernas, o comunismo, o fascismo e o nacional-socialismo; do outro lado, estão o catolicismo e o liberalismo.”