As festividades relativas à exultação do Natal implicam a vivência, por grande parte das pessoas, de um tempo que é sinónimo de reencontro, união e alegria. Essas prerrogativas tão especiais, associadas ao Natal, potenciam que a celebração da data se efective não só no seio familiar, onde encontra a sua expressão máxima, mas também ao nível laboral, através da realização de momentos de convívio organizados para o efeito, habitualmente materializados em típicos almoços e jantares alusivos à celebração da quadra natalícia.

A comemoração do Natal no trabalho surge, nos dias de hoje, como contributo importante do chamado “team building”, surge como uma oportunidade de relevo para juntar a equipa de trabalho, de uma dada organização, com o intuito de mostrar apreço por todo o trabalho desempenhado ao longo do ano. Trata-se de um momento de reconhecimento capaz de contribuir para a coesão dos trabalhadores, gerando, no futuro, incrementos no âmbito da produtividade laboral, fruto de um compromisso maior entre cada um dos trabalhadores e a entidade para a qual trabalham. Por outro lado, a interacção social subjacente a eventos com estas características gera também um estreitamento de laços, bem como uma facilitação ao nível da comunicação e cooperação, promovendo assim a existência de relações interpessoais de qualidade entre colegas de trabalho. Concomitantemente, a transmissão de mensagens relacionadas com a missão, os valores e os desafios da organização, nestes eventos, têm a possibilidade de serem difundidas e aceites com facilidade por parte dos trabalhadores, imbuídos que estão num momento de inequívoca partilha e solidariedade.

Mas será que a organização e realização de celebrações natalícias, com estas caracterÍsticas e propósito, num qualquer Instituto Público ou numa qualquer Autarquia Local, implicando a consequente necessidade de realização de despesa pública, se enquadra na missão e quadro de competências destas entidades de natureza pública?

Será que aquisições de bens e serviços com esta tipologia, para pagamento destas refeições, ainda que obedeçam, de forma escrupulosa, ao Código de Contratação Pública, podem ser consideradas lícitas?

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Num primeiro momento, atendendo aos benefícios ora elencados para a efectivação de tais celebrações natalícias, até se poderia concluir que a oferta de refeições aos trabalhadores pertencentes à administração pública poderia estar salvaguardada e ser fundamentada, ainda que indirectamente, por aquilo que se apelida de boa gestão de recursos humanos, na medida em que contribuiria, em última instância, para a criação de condições favoráveis à prossecução dos objectivos inerentes às organizações em causa.

No entanto, a verdade é que não se poderá conceber, de ânimo leve, que para atingir determinado fim, essencialmente motivacional, se tenham de gastar dinheiros públicos, pertencentes a todos os contribuintes. E tal não é concebível pois existiriam muitas outras estratégias alternativas capazes de poder vir a alcançar o propósito pretendido sem despender, tão levianamente, dinheiros públicos. Desde logo, a título de exemplo, através da realização de um almoço ou jantar de Natal pago individualmente por todos os intervenientes, acessível a todos quantos os que nele quisessem participar ou então a participação numa actividade simbólica conjunta, alusiva à quadra festiva em causa.

A despesa inerente a este tipo de actividade dificilmente encontrará eco na prossecução do interesse público da administração pública pois implica uma contrapartida em proveito de interesses particulares que deverão ser considerados ilegítimos, ainda que estejamos a falar de trabalhadores e colaboradores dessas entidades, e não em benefício do interesse público em geral.

Assim sendo, a autorização deste tipo de despesa, bem como o seu pagamento, poderão vir a constituir-se como ilegais, tratando-se de situações inerentes a pagamentos indevidos, prevista na Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, podendo assim ser categorizadas como infracções financeiras sancionatórias, previstas e punidas através da já referida Lei.

Se calhar valia a pena pensar nisto, para que os ditos almoços e jantares natalícios não se transformem em refeições de difícil digestão, dada a ilegalidade da despesa e a consequente infração financeira que lhes poderá estar associada.