Quanto se vota para uma eleição legislativa, está a votar-se para atribuir a um determinado partido um compromisso de assumir e de executar um conjunto de propostas e de objetivos, que consubstanciaram um programa eleitoral.
Concretizada a eleição, consuma-se a “adjudicação de um caderno de encargos” a uma entidade, que tem a obrigação de o cumprir nos exatos termos em que se propôs a fazê-lo – exatamente na mesma lógica intrínseca de princípios aplicáveis à contratação pública, aquando do lançamento dos procedimentos pré-contratuais da adjudicação das propostas, e da gestão dos contratos públicos, num enquadramento de partida que é a prossecução do interesse público.
O voto não é, pois, um cheque em branco, nem é uma “passadeira vermelha” estendida a quem nela vai “desfilar”, nem tão pouco é o título aquisitivo em exclusividade para nomeação de todos os cargos e mais alguns, numa cascata de escolhas, não raras vezes, pouco claras e insuficientemente fundamentadas, e numa espiral condicionante de toda a cadeia hierárquica da gestão pública.
Nessa medida, tal como nos contratos públicos, os partidos, todos e não apenas os de governo, devem ser escrutinados periodicamente nas suas ações de desenvolvimento dos programas eleitorais, devendo ser efetivamente penalizados naquilo que forem os incumprimentos desses programas, seja por ação, seja por omissão.
Esse acompanhamento e escrutínio, para ser verdadeiramente eficaz, deveria ser levado a cabo por uma entidade isenta e independente – órgão coletivo -, composta por personalidades de reconhecido mérito académico e profissional, a escolher de uma lista pública submetida igualmente ao voto de todos os eleitores.
Isto é, os eleitores escolheriam, não só os partidos cujos programas lhes parecessem mais bem estruturados e capazes de resolver os seus problemas concretos, como também aqueles que depois iriam ter a seu cargo a fiscalização regular, isenta e eficaz da atividade dos diversos partidos no cumprimento daqueles mesmos programas.
Na calendarização desse escrutínio, deveria, no mínimo, estabelecer-se uma base anual de balanço do desenvolvimento dos trabalhos no qual seriam identificados os incumprimentos ou insuficiências nas diversas áreas de intervenção – economia; justiça; saúde; educação; habitação; etc. – e aplicadas penalizações de entre um leque previamente definido e também objeto de escolha e de votação públicas.
Tais penalizações, a identificar em concreto e a aplicar pelo referido órgão coletivo de fiscalização, teriam, por sua vez, uma determinada graduação de “castigo” em função da gravidade da falha e da eventual reincidência da mesma.
Culminando, em caso limite de gravidade, na sanção máxima de demissão do governo, para os incumprimentos governamentais, e/ou de dissolução do parlamento, para os incumprimentos da assembleia da república. Demissão ou dissolução levadas a cabo pelo Presidente da República, com base nos “relatórios de gestão” elaborados pelo órgão de fiscalização independente.
Para além, igualmente, da identificação de oportunidades de melhoria em aspetos que não configurassem propriamente um incumprimento, mas que estivessem objetivamente aquém da performance possível e desejável.
Tal como sucede nos contratos públicos, com a figura do Gestor do Contrato, que tem o dever de identificar e reportar desvios à normal execução do contrato por parte dos contratantes, propondo medidas corretivas adequadas, e apontando eventuais penalidades previstas no contrato e respetivo caderno de encargos, bem como na lei.
Algo, obviamente, muito mais estruturado e eficaz do que as “meras” moções de censura dependentes da votação dos partidos, no que respeita às intenções de demissão dos governos.
Estes são os termos gerais daquilo que pode e deve ser o desenho de um mecanismo efetivo de fiscalização dinâmica, e consequente da atuação dos partidos políticos, muito para além do mero exercício do direito de voto de quatro em quatro anos.
É caso para dizer que, muito melhor estaríamos se fosse criado este órgão aqui sugerido, e extintos mais de metade dos inúmeros observatórios, entidades reguladoras, institutos, etc., muitas vezes com missões erráticas, competências sobrepostas, falta de meios e uma total inoperância.
Não esquecendo a imperativa reforma do Estado que agora parece ter ficado na gaveta, ao sabor dos interesses da agenda política e mediática, no âmbito da qual se insere a ideia aqui explanada.
Em conclusão, a responsabilização política pelos erros e falhas de compromisso da ação partidária e governativa, não pode restringir-se ao exercício do direito de voto para cada ciclo legislativo, sob pena de pecar por tardia e ineficaz, deixando o eleitorado, ou seja, o interesse público, irremediavelmente prejudicado, e o sistema democrático como uma mera previsão constitucional em letra morta e sem qualquer aderência à realidade.