É unânime que a justiça é um dos pilares em que assenta um  regime democrático que se pretende afirmar como moderno e  garante de uma vida segura e próspera das populações nas suas  diversas manifestações pessoais, familiares, profissionais,  empresariais e outras, como é o caso da República Portuguesa.

É sabido que Portugal é dos países que mais legislação produz e que é  “titular” de um ordenamento jurídico bastante evoluído e complexo, no  qual, em termos gerais, o grau de cobertura dos diversos domínios de  atividade que carecem de regulação está devidamente assegurado.

Por outro lado, o princípio da separação de poderes constitucionalmente  consagrado, assegura a necessária independência dos tribunais, face aos  poderes executivo e legislativo.

O posicionamento do sistema de justiça no quadro constitucional, o extenso  e evoluído regime substantivo dos vários ramos do direito, e as regras  processuais que enquadram esse regime em sede dos processos judiciais,  constituem um enquadramento de partida bastante estruturado e robusto,  para que a justiça como um todo possa efetivamente funcionar.

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Onde reside então o problema, ou os problemas, da justiça portuguesa?

Ora, o problema reside precisamente nos diversos entraves à  “engrenagem” que fazem com que o tal enquadramento de partida favorável se venha a revelar a final em muitos casos ineficaz e  inconsequente.

E nesta matéria, o ramo do direito criminal e da justiça penal tem assumido  uma projeção mediática verdadeiramente avassaladora nos últimos  tempos, fruto dos sobejamente conhecidos e divulgados casos relacionados  com crimes de natureza económica em sede de gestão pública.

Neste domínio, dois problemas maiores sobrepõem-se a todos os outros: a  perceção da falta de credibilidade das decisões, e a morosidade das  mesmas.

Relativamente à questão da credibilidade, não é admissível esperar que os  utentes da justiça, sujeitos processuais e opinião pública em geral, aceitem  como normal, por exemplo, que os entendimentos do Ministério Público,  coadjuvado pelos órgãos de polícia criminal, e as medidas pelo mesmo  preconizadas, sejam frequentemente alteradas em larga medida por parte  dos juízes de instrução.

Ainda para mais, quando em muitos casos estamos a falar do trabalho que  é desenvolvido coletivamente por dezenas de inspetores da polícia  judiciária e por vários procuradores do Ministério Público, por contraponto  com decisões sobre a aplicação de medidas de coação ou sobre a pronúncia  ou não pronúncia dos arguidos, tomadas por um único juiz singular.

Sabendo de antemão que a base jurídica formativa de todos estes  intervenientes é a mesma, e que as leis aplicáveis aos casos concretos sobre  os quais todos intervêm são também comuns, torna-se então inevitável, que  se gere um sentimento generalizado de estupefação e incompreensão, o  qual depois resvala para a insegurança, perante tanta, pelo menos  aparente, contradição.

Dir-se-á, bom, mas é a justiça a funcionar no corolário das diversas  interpretações jurídicas possíveis sobre as diversas normas, como  inúmeras vezes os próprios responsáveis políticos e governativos  costumam propalar, em linha com o já gasto jargão de “à justiça o que é da  justiça e à política o que é da política”.

A questão é que, a bem da segurança da justiça e da eficácia da aplicação  do direito, a “elasticidade” interpretativa tem de ter limites, não devendo  aceitar-se como admissíveis a verificação em concreto de tantos  entendimentos quase diametralmente opostos sobre uma mesma base  factual e legal.

Sob pena de já não estarmos propriamente a falar de um normal exercício  de ciência jurídica, mas antes de um manifestar de opiniões condicionadas  por perceções pessoais ou de pendor político, por vezes com escassíssima  aderência à letra ou ao espírito da lei.

Quanto ao problema da morosidade, o espanto da opinião pública em geral  atinge níveis “estratosféricos”. Efetivamente, como é que se pode falar em  justiça quando um determinado processo-crime demora 10, 15 ou 20 anos  a ter um desfecho definitivo.

E quando, no começo desse mesmo processo, pode estar em causa a  imputação a um arguido da prática indiciária de vários crimes, e depois ao  longo do processo, e no final do mesmo, muitos desses crimes ou até a sua  totalidade sejam declarados prescritos.

E ainda que, durante as várias fases processuais, o arguido suspeito possa  continuar a usufruir, designadamente, das vantagens económicas  identificadas na prática, por exemplo, de crimes de corrupção, ao invés de  lhe ser subtraído esse direito até ao desfecho definitivo do processo.

Tudo isto é muito difícil de compreender e de aceitar por parte de um  cidadão normalmente esclarecido e com um mínimo de sentido de justiça,  ainda para mais quando as explicações públicas dos altos responsáveis da  justiça são poucas ou nenhumas.

Procurando dar um passo em frente a um diagnóstico já bastante  consolidado ao longo dos últimos anos em Portugal, passemos então à  “terapia da doença”, ou seja, a um conjunto de medidas concretas que  possam contribuir eficaz e decisivamente para uma melhoria do sistema  de justiça, no que à vertente criminal respeita, tais como:

 Fixar prazos limite para a duração dos processos-crime, desde a abertura  do inquérito até à última decisão final definitiva e transitada em julgado,  em função do grau de complexidade dos crimes (por exemplo, um prazo  máximo de 5 anos, incluindo recursos, para os chamados crimes de  natureza económica, nos quais se inclui a corrupção);

Restringir as instâncias de recurso, circunscrevendo a possibilidade de  recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em casos muito específicos e  quando estiverem em causa penas de maior dimensão;

Restringir a possibilidade de apresentação de requerimentos pelas partes  no decurso das diversas fases processuais;

Reduzir o número de testemunhas admissíveis a apresentar pelas partes; – Limitar a dimensão das peças processuais;

Aumentar ou eliminar os prazos de prescrição para determinado tipo de  crimes de natureza económica e de maior dificuldade na obtenção da  prova;

Objetivar o conceito de “indícios suficientes da prática do crime”, para que  a margem interpretativa seja menor, baixando assim a probabilidade de  decisões contraditórias na fase instrutória;

Reformular o enquadramento geral da fase da instrução, e porventura  restringir a possibilidade da sua existência aos crimes de maior  complexidade, sem prejuízo da preservação das competências  jurisdicionais para certas matérias, como sejam a determinação de  medidas de coação e a autorização/ordenação de buscas.